Dois escândalos sexuais em departamentos de filosofia têm, de certa forma, escandalizado o mundo acadêmico nos últimos dias.
Um deles, na Universidade de Miami na Flórida, levou à renúncia do professor Colin McGinn. O outro, na Universidade do Colorado, Boulder, resultou na substituição do chefe do departamento, Graeme Forbes.
O caso do professor McGinn diz respeito a uma série de e-mails e mensagens de texto (SMS) entre ele e uma estudante de doutorado. O conteúdo não foi divulgado e ambas as partes concordaram em não falar sobre o caso; no entanto, certamente, houve insinuações sugestivas e indiretas indecorosas. O caso do Colorado, de acordo com um relatório interno da Universidade, envolveu o departamento de filosofia e sua suposta cultura de interação e abuso sexual em reuniões oficiais e compromissos sociais.
Os casos levaram a muita discussão com respeito aos indivíduos envolvidos, assim como à questão mais ampla da filosofia acadêmica. Essa profissão é majoritariamente masculina (80%), e esse desequilíbrio estatístico levanta questões mais profundas: o estilo de argumentação confrontacional (e, às vezes, brutal) da filosofia é menos atraente para as mulheres? A menor representação feminina, combinada com a dinâmica de poder professor-estudante, levou a uma dinâmica sexual insalubre? Ou, de forma mais grosseira, o mundo da filosofia profissional é um “clube do Bolinha”, como um crítico ferrenho a denominou?
(Os sete departamentos acadêmicos dos quais fiz parte como estudante ou professor sempre me pareceram totalmente assexuais, mas talvez eu simplesmente não tenha sido convidado para as festas certas).
Os casos de Miami e Colorado levantam uma série de questionamentos. Carreiras são importantes. Educação é importante. Sexo é importante. E, como seres humanos, não somos estritamente compartimentalizados: agora eu sou somente um estudioso, agora eu sou somente um ser sexual, agora sou somente um ser social. Regularmente, perseguimos muitos objetivos simultaneamente — vamos a festas, por exemplo, para socializar e comer e aprender coisas e flertar. Mas em outras situações, talvez não seja apropriado perseguir alguns objetivos. Na vida profissional, especialmente de alto risco, devemos identificar princípios que nos ajudem a decidir quais objetivos deveriam ser ou não perseguidos.
Os casos do Colorado e de Miami são tidos como estereótipos — professores mais velhos e mulheres (estudantes) mais novas — com três elementos em ação: 1) a dinâmica de homens que procuram mulheres, 2) diferença de idade: homens mais velhos que procuram mulheres muito mais jovens, e 3) diferença de poder: de uma posição de autoridade, o professor procura o estudante.
Contudo, necessitamos de princípios mais amplos, pois outras combinações são possíveis.
E se a diferença de idade for menor? Roberto é um professor de literatura de 29 anos e Jane é uma estudante de doutorado de 25 anos.
E se os gêneros forem invertidos? Maria é uma professora-assistente de biologia de 26 anos e Gerhard é um estudando de graduação de 24 anos.
E o que dizer combinações entre gays e lésbicas? Tabitha é uma professora de 33 anos e Marika é uma mulher de 33 anos que decidiu voltar à faculdade há pouco tempo.
E se o estudante iniciar o flerte, seja homem ou mulher, novo ou velho, gay ou não?
Quaisquer que sejam os princípios da ética profissional que inventemos, deveriam se adaptar a todas as variantes.
A primeira coisa é identificar os valores envolvidos de cada uma das partes. A relação é de diversão, educação, trabalho, romance ou o que? A segunda coisa é priorizar os valores: os valores sendo perseguidos deveriam ter importância relativamente igual a cada uma das patres e a satisfação daquele valor para ambas as partes deveria ser mutuamente importante.
Dois amigos indo ao cinema, por exemplo, sabem que a diversão é o propósito daquela tarde, que ver o filme juntos é do que se trata, primeiramente, seu tempo junto, e que aproveitar o tempo que passam juntos importa. Essa é uma relação saudável. Isso não quer dizer que outros valores não podem ser introduzidos durante essa tarde — desabafar sobre um duro dia de trabalho, flertar, falar sobre investimentos, debater política e assim por diante — mas esses tópicos deveriam ser evitados se fossem de encontro ao proposito principal da relação.
Especificamente no contexto do ensino superior, o valor central é o aprendizado, e a relação central é a do professor-estudante. Cada parte na relação compromete-se a alcançar aquele valor como seu objetivo primário. Cada qual contribui com algo para o processo de aprendizado — conhecimento e tutoria vindos do professor, esforço vindo do aluno. O professor receber valor como resultado — pagamento, a satisfação de exercer a sua profissão e avanço profissional. O estudante também recebe valores — conhecimento, tutoria para a sua carreira e, tomara, um diploma.
Ao mesmo tempo, cada um aderiu a um compromisso para com o outro. O professor deve ser o tipo de professor e mentor que assiste o estudante no crescimento educacional, e o estudante deve ser o tipo de aprendiz e futuro profissional que será um mérito ao professor.
Nada disso exclui outros valores da relação. Professores e estudantes de graduação podem ter se tornado amigos, amantes, casais e assim por diante. Eles podem trabalhar em campanhas políticas ou frequentar a mesma igreja, ou até praticar juntos os mesmos tipos de esportes. Porém, qualquer fator que possa conflitar com a busca daquele valor principal do aprendizado deve ser avaliado com cautela, introduzido na relação primária delicadamente, e, se necessário, colocado de lado para não interferir com a busca do valor principal. Alternativamente, se existe um conflito, entretanto ambas as partes acreditam que o relacionamento amoroso, digamos, é mais importante, então eles deveriam parar de serem professor e estudante.
Combinar a relação professor-estudante com romance é possível, mas obviamente, complicado. O estudante tem que se perguntar: estou conseguindo a nota, a recomendação, o conselho por causa dos meus méritos — ou porque estou dormindo com o professor? E do lado do professor: estou fazendo sexo porque eu sou um trampolim para o avanço do estudante?
E os departamentos acadêmicos são conhecidos como lugares de fofocas. É necessário proteger sua reputação contra ser visto como alguém que falta profissionalismo. Professores não querem a reputação de usarem suas aulas locais de caçada de parceiros sexuais, e os estudantes não querem a reputação de dormir com o professor para alcançar seu objetivo.
Do lado positive, como membros de um departamento e de uma universidade, os professores tem um dever para com as instituições e, portanto, tem a responsabilidade de melhorar a reputação daquelas instituições em vez de depreciar. Da mesma forma, os estudantes de graduação quando se juntam a um departamento e a uma universidade.
Também é importante realçar o fato de que os estudantes de graduação são adultos. Não estamos aqui falando de professores que têm relação com menores de idade ou mesmo com jovens adultos, tais como os estudantes de graduação. O estudante típico de doutorado é maduro o suficiente para ter se graduado em uma universidade, o qual normalmente significa ter mais do que 22 anos de idade, e inteligência suficiente para ser um candidato a um diploma de doutorado.
Então, minha resposta a questão de quando os professores podem ter relações sexuais com seus estudantes é: raramente. Nenhuma decisão universal é possível para todos os indivíduos. Os princípios mais importantes são o bom senso tanto do professor quanto do estudante, e o comprometimento real de ambos à integridade da experiência educacional.
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“Quando professores universitários podem manter relações sexuais com seus alunos?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo: Ceticismo e socialismo de Rousseau a Foucault e Nietzsche and the Nazis.