Você pode ter notado que as coisas no mundo da arte estão um pouco, bem, fora do lugar.
Entre os artistas que mais ouvimos falar hoje estão a “garota-vômito”, também conhecida como Millie Brown, que bebe leite de soja com corantes e o vomita na tela. Ou Jeff Koons, que recebe milhões por objetos intencionalmente banais, tais como uma estátua de porcelana do cantor Michael Jackson acariciando seu amado chimpanzé Bubbles. E existe o famoso Portrait of the Artist as a Young Boy Buggering a Goat (tradução livre, Retrato de um Artista como um Garoto Transando com uma Cabra). Na verdade, esse é o nome que inventei para a obra Cultural Gothic, de Paul McCarthy, a qual, de fato, mostra um garoto transando com uma cabra enquanto recebe a benção do pai.
Os artistas normalmente indicados para os grandes prêmios são aqueles como Tracey Emin: ela exibiu a sua cama com lençóis manchados por secreções corporais, preservativos usados e calcinhas ensanguentadas de menstruação. Ou Chris Ofili, que incorpora estrume de elefante às suas telas. Ou os Irmãos Chapman, cuja obra Death (tradução livre, Morte) parece-me muito mais duas bonecas infláveis fazendo um 69 — contudo, aqui está a grande jogada: elas são, na verdade, feitas de bronze e só pintadas para parecer de plástico!
Mas nada disso é novidade.
Em outro momento, escrevi um texto “Por que a arte se tornou feia?” — sobre o porquê, no século passado, os grandes pensadores do mundo da arte passaram a crer em um conjunto de crenças pessimistas e céticas sobre a brutalidade da natureza humana, a morte de Deus, e o vazio da existência. Desde então, muitos artistas e seus apreciadores têm trabalhado nesse sentido, expressando minuciosamente toda possível variação sobre esses temas.
Cem anos se passaram e pouco mudou. Para os artistas — a quem todos nós consideramos como seres criativos e originais — isso é triste. Existe um sentimento de cansaço mesmo dentro do mundo da arte, um sentimento de que toda a badalação da mídia e os dólares estão sendo dirigidos para esforços que simplesmente não são tão diferentes do mesmo velho, arcaico que temos visto por décadas. O mundo da arte está em um estado de tédio mesmo com relação ao próprio tédio.
Para mim, a persistência nesse caminho é um mistério. Por que o mundo da arte não busca algo novo, assim como um adolescente (ou qualquer outra pessoa) que passa por uma fase, mas que se entedia, percebe que está na rotina, e tenta outra coisa? A moda no vestuário muda rapidamente e segue diversas tendências. A música popular nunca para, reinventando-se regularmente. O estilo e os recursos dos automóveis evoluem, às vezes, de forma dramática. Isso é criatividade. Em contraste, o mundo da arte moderna está em uma bolha estática, reciclando os mesmos tropos, e as últimas gerações de estudantes de artes têm vestido o mesmo uniforme: preto no preto.
A minha resposta a esse mistério é que a arte trata sempre sobre seriedade, e os temas artísticos são mais sérios do que a moda, música popular e tipos de carros. Intelectual e emocionalmente, os artistas não conseguiram superar o pessimismo profundo adotado no século passado — eles genuinamente sentem que tudo é vazio e saturado — então, não há nada que fazer além de transferir a sua energia criativa para repetir e repetir os mesmos temas.
Mischa Badasyan é um exemplo recente. Badasyan é um jovem homossexual que planeja manter relações sexuais com um homem diferente todos os dias, por um ano. Os encontros acontecerão, sempre que possível, em “não lugares”, os quais são “supermercados, shopping centers, aeroportos e outros locais anônimos onde as pessoas perdem o senso de identidade e se sentem deslocados”. “Nesses lugares”, ele comenta, “você não tem que falar com ninguém ou se sentir como parte do lugar. Isso gera solidão”. E, ele explica, esse é o objetivo do seu projeto — o vazio da vida sexual moderna, especialmente no mundo gay, com suas relações casuais e sexo sem sentido.
Essa é o espetáculo artístico, com uma boa campanha de marketing antecipada para gerar interesse. Mas com um objetivo: “eventualmente, eu serei como um ‘não lugar’”, Badasyan hipotetiza, como resultado do projeto.
Note que ele está ocupado com questões humanas verdadeiramente importantes: o que dá significado ao sexo? O amor verdadeiro é realmente possível? Ou todos nós estamos profunda e desesperadamente sozinhos, destinados a permanecer dessa maneira?
No entanto, você tem que admitir a originalidade do Sr. Badasyan — ninguém inseriu a promiscuidade no mundo da arte moderna dessa forma antes. Em vez de retratar a autoimolação em personagens fictícios ou pinturas em telas, o próprio Badasyan é o texto ou a tela, por assim dizer: seu objetivo é ser a arte e se tornar a coisa vazia ou desolada que outros artistas somente expuseram em textos ou telas.
Dois aspectos da arte são importantes aqui. A arte é sempre uma autoexpressão. E a arte que é tornada pública é uma mensagem — que o artista sempre quer que sua audiência tenha certo tipo de experiência.
Leve em consideração a autoexpressão de Badasyan. Afaste toda e qualquer suspeita que você possa ter que isso seja meramente uma jogada publicitária.
Quem é Badasyan? Ele é humano, assim como todos nós. Ele deseja amor e sexo. Às vezes, ele experimenta a solidão. Ele se pergunta se alcançará o “felizes para sempre”, assim como todos nós. Ele tem um ano inteiro pela frente — e, assim como todos nós, ele pode escolher como usar seu tempo: buscar um real significado para suas relações ou se rebaixar. A escolha declarada por Badasyan é autorevelatória, assim como as escolhas que nós fizemos expressam quem realmente somos.
Aliás, por tornar o projeto público, Badasyan está nos dizendo que ele deseja que o conheçamos por quem ele realmente é. Essa não é uma busca pessoal, privada. Artistas que publicam seu trabalho querem ocupar espaço na sua mente. No próximo ano, ele quer que você pense nele mantendo relações sexuais de algum tipo — gay, impessoal, emocionalmente vazia — naqueles ‘não-lugares’, talvez mesmo no seu aeroporto ou shopping center.
Levar os artistas ao pé da letra não significa aceitar a sua visão de mundo. A maioria dos artistas modernos reconhece o abismo entre o seu mundo e a visão de mundo mais benevolente e otimista da maioria das pessoas. Esse abismo irrita-os intensamente. Eles também sabem que carregam o prestígio do mundo da arte, o qual foi construído com o passar dos séculos, e sabem que nossa atitude padrão é admirar os artistas. Então, eles sabem que podem usar o poder social efetivamente contra aqueles de nós que não compartilham de sua visão de mundo. A arte é uma autoexpressão — e uma tática de choque nas guerras culturais.
Como podemos reduzir o poder dessa tática?
A repetição constante, década após década, reduziu o impacto da negatividade. Retornos decrescentes, como dizem os economistas. Mas talvez uma coisa mais importante seja reconhecer que a repetição constante com pequenas variações é, embora autenticamente sentida, uma confissão de fraqueza artística: não temos nada de novo a dizer.
Uma analogia: considere uma criança que é agredida verbal e fisicamente por seu pai. Ela não conseguirá terá sucesso por conta própria, pois ele faz insinuações maldosas periodicamente com palavras bem escolhidas. O pai é uma figura poderosa na mente da criança, e ela cresce acreditando que o pai merece respeito. Mas a criança se torna uma jovem mulher, sai de casa e busca realizar algo em sua vida. Anos depois, ela revisita o seu pai por uma perspectiva adulta, e quando seu pai recomeça a exibir a mesma postura, ela percebe que as pessoas que desvirtuam tudo são fracas, normalmente fracassadas, que querem que os outros fracassem na vida. Além disso, agora ela sabe que nem todos os pais são assim. Para ela, então, seu pai torna-se uma figura patética — suas palavras e ações como expressão de um perdedor assumido.
O poder de expressão e comunicação da arte é verdadeiramente impressionante. O grande prestígio social e poder do mundo da arte foram merecidamente alcançados ao longo de muitas gerações. Desse poder é que se aproveitam as gerações recentes de artistas. Podemos conceder o benefício da dúvida, inicialmente. Mas para aqueles que prosseguirem por décadas a brincar com fezes, retratar cenas falsas de sexo infantil ou devotar-se a trivial e exibida desvalorização de si — talvez seja hora de nós os interpretarmos ao pé da letra.
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“Levando os artistas modernos ao pé da letra” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo: Ceticismo e socialismo de Rousseau a Foucault e Nietzsche and the Nazis.