Um meme comum sobre a crise financeira culpa o capitalismo descontrolado e responsabiliza a ascensão do fundamentalismo de livre mercado entre os economistas como responsável pelo aumento da ganância. De acordo com o esse argumento, os economistas acadêmicos são, em grande parte, liberais. Eles convenceram os políticos a desregulamentarem setores importantes da economia norte-americana, de modo que os capitalistas selvagens engajaram-se no frenesi que levou ao colapso. Vamos chamar aquele meme de “A Narrativa”.
Alguns elementos pequenos d´A Narrativa são verdadeiros: existem alguns economistas de livre mercado, houve algumas desregulamentações e alguns capitalistas se comportarem mal.
Contudo, agora vamos somente focar em um elemento da história — a afirmação de que grande proporção dos economistas profissionais pertence à vertente de livre mercado. Paul Krugman, por exemplo — o prêmio Nobel, escritor de sucesso, professor da Ivy League e grande representante d´A Narrativa — acredita que isso seja verdade e no New York Times recentemente culpou os economistas de permitirem “a dominância de uma visão idealizada do capitalismo, na qual os indivíduos sempre são racionais e os mercados sempre funcionam perfeitamente”.
De que forma descobrimos quais as crenças que dominam o pensamento dos economistas? Bem, poderíamos simplesmente pergunta-los, como os professores Daniel Klein e Charlotta Stern fizeram em 2007:
“Nós avaliamos os membros da American Economic Association (associação dos economistas dos Estados Unidos) e pedimos suas opiniões sobre 18 formas específicas de intervenção governamental. Nós concluímos que 8% dos membros da AEA podem ser considerados defensores dos princípios de livre mercado, e que menos que 3% podem ser chamados de fortes defensores. Os dados são discriminados por comportamento eleitoral (democrata ou republicano). Mesmo o membro republicano médio da AEA é meio-termo não de livre mercado”.
(Note que o estudo foi publicado em 2007 e, portanto, reflete as opiniões dos economistas antes que a crise se tornasse aparente).
Então, se estou analisando os resultados corretamente, menos que 1 em cada 10 economistas norte-americanos são de livre mercado. Em contraste, 92% são meio-termo, defensores de intervenção significativa do governo na economia, ou, simplesmente, socialistas assumidos. Tal fato se constitui num mistério para A Narrativa: como uma ínfima porcentagem de economistas de livre mercado poderia ter exercido tanto poder?
Um mistério ainda maior surge quando consideramos a Europa. Igualmente, a crise financeira foi e é um fenômeno europeu, incluindo problemas severos na Itália, Espanha, Grécia, Irlanda e outras nações. Mas alguém acredita que economistas espanhóis e gregos são ideologicamente mais liberais do que os norte-americanos? Eu acho que não. Ainda assim, para acreditar n´A Narrativa, teríamos que acreditar que um número ainda menor de economistas europeus de livre mercado fosse capaz de exercer grande influência.
Há uma longa e importante história aqui, mas — contrário à Narrativa — por mais de um século, o pensamento de livre mercado tem tido uma posição minoritária entre os economistas. Seguem alguns dados relevantes:
Retorne ao final do século XIX, antes que as universidades norte-americanas começassem a oferecer Ph.D. em economia. A maioria dos economistas aspirantes se dirigia a universidades alemãs para seus estudos avançados. O ensino econômico na Alemanha era amplamente dominado por socialistas e outros pensadores antimercado. Esses jovens estudantes levaram essas ideias para casa. No seu retorno, alguns foram inspirados a criar a AEA em 1885. Os três fundadores da AEA — Richard Ely, Edwin Seligman e Simon Patten — obtiveram seus títulos na Alemanha, os três eram opostos ao capitalismo de livre mercado, e viram o objetivo da AEA como ideológico — enfraquecer o capitalismo de livre mercado na teoria e na prática. Ely tornou-se posteriormente, na Universidade John Hopkins, o professor influente do futuro presidente democrata, Woodrow Wilson. Para obter mais informações, recomendo a obra The Clash of Economic Ideas (Cambridge University Press, 2012), escrito pelo historiador econômico Lawrence White.
Avance uma geração até a 1ª Guerra Mundial e sua economia planificada de guerra. A maioria dos economistas apoiou a iniciativa entusiasticamente, como fariam na geração posterior na 2ª Guerra Mundial.
No período entre guerras, houve a Grande Depressão e o New Deal de Franklin Delano Roosevelt, com seus cartéis e monopólios estruturados pelo governo. A maioria dos economistas apoiaram as iniciativas em direção a uma economia planificada.
Rex Tugwell, economista da Universidade de Columbia, é um ótimo exemplo. Chefe do “Brain Trust” (tradução livre, assessores de confiança) de Roosevelt, Tugwell era um grande admirador dos regimes fascista de Mussolini e comunista de Stalin. Em uma viagem a Roma em 1934, Tugwell escreveu no seu diário que o regime de Mussolini estava “fazendo muitas coisas que a mim pareciam necessárias” e era “o mais limpo, puro e eficiente exemplo de engenharia social que já vi. Causa-me inveja”. Alguns anos antes, em 1927, Tugwell também tinha visitado a União Soviética. Ele ficou tão impressionado com o que viu que escreveu uma série de artigos acadêmicos, nos quais defendia vários métodos comunistas e recomendava sua adoção nos Estados Unidos. Novamente, veja o livro de White para maiores detalhes.
A economia do pós-2ª Guerra Mundial foi moldada pelo economista John Maynard Keynes, da Universidade de Cambridge. Keynes argumentou, de forma persuasiva para a maioria dos economistas, que os governos deveriam controlar ativamente as taxas de juros, a politica monetária, os salários, os gastos governamentais com a dívida e muito mais, de forma a administrar os altos e baixos da economia.
As ideias de Keynes dominaram completamente a profissão econômica por décadas que a declaração do presidente Richard Nixon em 1971, quando tirou os Estados Unidos do padrão-ouro — “Nós somos todos keynesianos agora” — capturou uma verdade importante.
E hoje, na geração seguinte, a visão majoritária da classe dos economistas é informada pelos professores Klein e Stern.
Então, onde estão todos os economistas de livre mercado que tem supostamente ditado as políticas econômicas? Obviamente, alguns deles se destacaram na mídia como Milton Friedman e Friedrich Hayek. No entanto, em grande parte, são desconhecidos e servem de bodes expiatórios em uma profissão que amplamente discorda de suas opiniões.
A verdade é que a maioria dos economistas é intervencionista. Eles defendem uma mescla de livre mercado e controle governamental. Poucos economistas em qualquer das extremidades do espectro são defensores ferrenhos dos mercados livres ou do controle total dos governos. Mas quando 90% dos economistas são, de modo geral, favoráveis à intervenção governamental, enquanto 10% deles são, de modo geral, opostos a ela, então há grandes chances de que as recomendações de políticas tenderão ao aumento do controle estatal da economia. Essa tem sido a trajetória há muitos anos.
A constatação fundamental é a de que, quando analisamos trapalhadas como a crise financeira que começou em 2007, nosso ponto de partida deveria ser o reconhecimento de que nossa economia tem elementos de livre mercado com doses pesadas de regulação governamental. Assim, desde o principio, dever-se-ia deixar aberta a questão da culpa pela crise, seja ela causada pelos elementos de livre mercado, as regulações governamentais ou uma mescla disfuncional das duas.
Eu tenho minhas dúvidas, mas a primeira hipótese a ser rejeitada deveria ser a d´A Narrativa. Se é que existe um culpado, o oposto me parece mais plausível — que o erro foi cometido por muitos economistas que defendem os retoques, ajustes e o controle direto de setores críticos da economia.
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“Onde estão os economistas de livre mercado que causaram a crise financeira?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”.
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Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.