Deveríamos agradecer o café pela civilização moderna?

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O café chegou à Europa em 1529; a maioria dos historiadores data o início da história moderna nos anos 1500. Coincidência?

Enquanto escrevo, já estou no meu segundo copo. O efeito estimulante da cafeína me manterá acordado até o meio dia, quando eu beberei mais um.

Volte aos maus e velhos tempos — Antes do Café (a.C) — quando as bebidas mais populares eram alcoólicas. Mesmo no café da manhã, os drinks mais comuns eram o vinho e a cerveja fraca. O historiador Tom Standage aponta que o fornecimento de água perto da maioria dos povoamentos humanos era contaminado, de forma que era frequentemente mais saudável beber álcool ao invés de água. Mas as altas taxas de consumo de álcool também significavam que as pessoas gastavam a maior parte do seu tempo sob a influência, por assim dizer, alegres e inebriados em diferentes níveis.

Mas então veio o café — e tudo mudou. Os bebedores matinais de café começavam seus dias energizados, com seus sentidos e pensamentos estimulados. Como resultado, os europeus começaram a trabalhar de forma mais dura e inteligente, e o resto é história. A ciência foi aprofundada, a engenharia deslanchou, poetas e dramaturgos tornaram-se mais criativos, e mesmo o cidadão comum tornou-se paulatinamente mais produtivo.

Da mesma forma, temos que registrar o surgimento da cultura das cafeterias na Europa. Os cafés uniram pessoas de todas as raças, classes, interesses e profissões para beber e socializar. Imagine quantos negócios, debates filosóficos, inspirações artísticas e expedições ao redor do mundo foram discutidos e tornados realidade durante uma xícara de café. (O site da empresa Braun possui várias fotos de famosas cafeterias europeias para adicionar à sua lista).coffee-house-cafe-central-2

A pergunta que não quer calar: até onde podemos levar a tese de que o “café causou a modernidade”?

Para responder a pergunta, devemos recorrer aos Turcos, porque foi graças às ambições imperial e militarista dos Turcos que o café chegou à Europa. Sob Suleimão, o Magnífico, o Império Otomano estava se expandindo em direção à Europa, até ser barrado no Cerco de Viena em 1529. (Eu suspeito que Sua Majestade foi assim chamada por seu chapéu verdadeiramente magnífico, como se vê nessa imagem). O exército turco foi repelido; e na retirada, às pressas, deixaram para trás muitos sacos cheios de grãos de café.

Introduzimos agora o próximo herói de nossa história, Franz Georg Kolschitzky, um polonês que tinha vivido na Turquia e que se destacou na luta contra as forças de Suleimão. Kolschitzky reconheceu os grãos pelo que eram, reclamou-os como espólio de guerra, e se lançou como empreendedor em Viena, abrindo seu primeiro café. Essa bebida quente, às vezes misturada com açúcar e/ou leite, era muito popular entre os vienenses, e o café e os cafés se espalharam por toda a Europa.

Então vamos saudar tanto Suleimão do Chapéu Magnífico e o Senhor Kolschitzky do Alerta Empresarial. Não propositalmente no caso de Suleimão e propositalmente no caso de Koschitsky, aqueles de nós que prestam adoração no altar do grão sabem a quem devemos direcionar nossa reverência.suleiman

Mas exatamente quantos benefícios da civilização moderna são consequência da introdução do café?

Nós deveríamos notar que os Turcos tinham tanto o café como a cultura dos cafés por, pelo menos, um século antes dos europeus. Mas os turcos não desenvolveram as poderosas ideias e instituições que moldaram a civilização moderna. Então, o café não pode ser o único fator.

É também válido notar os seguintes eventos históricos, todos os quais moldaram a modernidade e antedataram a chegada do café em 1529:

  • Os vigorosos portugueses já haviam navegado a costa africana por um século: Bartolomeu Dias liderou a expedição em torno do Cabo da Boa Esperança em 1487; Vasco da Gama alcançou a Índia em 1498, e Pedro Alvares Cabral chegou, ao que hoje se chama Brasil, em 1500. E em parceria com os espanhóis, o italiano Cristóvão Colombo cruzou o Atlântico em 1492 e o português Fernando Magalhães liderou a primeira viagem ao redor do mundo em 1519.
  • Na Alemanha, Martinho Lutero pregou suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg em 1517, que levaram aos debates religiosos, resultando nas batalhas da Reforma / Contrarreforma.
  • Pouco antes de 1514, o polonês Nicolau Copérnico propôs seu modelo heliocêntrico do universo. Astrônomos e matemáticos já estavam fazendo observações mais cuidadosas, assim como cálculos dos movimentos dos planetas e das estrelas.

Portanto, quando o café chegou a Europa, progressos na exploração do mundo, religião e ciência já estavam em curso no continente.

(E, devemos destacar, os gregos clássicos, romanos e outros antes construíram grandes civilizações sem nenhuma beber nenhuma xícara de café, por mais difícil que possa parecer).

Consequentemente, o café pode, no máximo, receber crédito por haver contribuído na criação da civilização moderna. Os holandeses trouxeram o chá à Europa em 1610, cerca de 80 anos após a chegada do café, adicionando outro estimulante ao continente. Mas os efeitos psicológicos do café e do chá no máximo fortificaram tendências que já estavam se desenvolvendo.coffee-smile-660x400

Em ambos os casos, os efeitos fisicamente revigorantes da cafeína intensificaram o desenvolvimento da civilização porque sentir-se mais energizado por si só determina para que essa energia será canalizada. Isso depende dos valores e crenças das pessoas. Uma pessoa vigorosa pode se dedicar à guerra, à busca do prazer sexual, ao ascetismo religioso, à descoberta de fórmulas mágicas em textos antigos, ou a quaisquer outros objetivos. Alguns desses projetos não levaram a lugar algum, outros podem levar ao desenvolvimento da modernidade. Então, se queremos uma explicação mais completa para o desenvolvimento da civilização moderna, precisamos nos perguntar, como o faremos em textos futuros, quais novas ideias e valores os europeus adotaram e que os fizeram trilhar caminhos diferentes.

Ainda assim, em meio a todos os elogios ao café, deveríamos reconhecer que nem todo mundo acolheu sua chegada ou o considerou como uma dádiva à civilização. Para ser justo, deveríamos pelo menos ouvir o lado dissidente. Eu cito uma passagem do documento 1674 Women’s Petition Against Coffee(Petição das mulheres contra o café, tradução livre):

 O café leva os homens a desperdiçar seu tempo, queimar sua boca, e gastar seu dinheiro, tudo por um pouco de água negra, espessa, amarga, desagradável e de cheiro nauseante.

E até pior:

O uso excessivo do licor moderno, abominável e pagão chamado CAFÉ, cuja natureza traiçoeira de sua origem está secando o líquido essencial, deixando eunucos os nossos maridos, incapacitando nossos mais queridos galãs, que tem se tornado tão impotentes como a idade, e tão infrutíferos quanto aqueles desertos dos quais este infeliz fruto é trazido.

Uau.

Vamos discutir todas essas questões importantes em um café, garotas. Eu pago!

* * *

hicks-stephen-2013“Deveríamos agradecer o café pela civilização moderna?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.

Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.

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