Atitudes racistas são remanescentes de um passado primitivo. Existe ainda muito racismo, contudo, progredimos em algumas partes do mundo, como mostra o gráfico dos países mais e menos racistas do mundo, publicado pelo The Washington Post.
Em grande parte da Europa, América do Sul, América do Norte, Oceania e em alguns outros lugares, o racismo recuou significativamente. Uma hipótese é a de que as culturas menos racistas são aquelas mais influenciadas pelo Iluminismo Europeu do século XIX, período no qual, pela primeira vez na história, as ideias individualistas derrotaram os coletivismos que ensinaram as pessoas a se classificarem por grupos arbitrários como sexo, classe, etnia, religião e raça.
Mas mesmo dentro das nações mais desenvolvidas, existem sinais desagradáveis.
Na Europa, o berço da civilização ocidental, o renascimento do neonazismo na Europa é desanimador.
O mesmo se aplica, nos Estados Unidos, aos debates polarizados com respeito à relevância da raça nas mortes de Trayvon Martin, Michael Brown e Eric Garner.
E mesmo crescendo no pacato, tolerante Canadá, recordo-me de camisetas anti-Paquistão usadas despreocupadamente nas ruas de Toronto após uma onda imigratória de paquistaneses ao estado de Ontário. Eu também me recordo de uma longa conversa com um motorista de ônibus em Québec, na qual ele afirmou que não havia nenhum problema se alguns negros ou japoneses imigrassem para o Canadá — mas que ele não se sentia confortável com sua permanência e “reprodução” em grandes números.
Às vezes, é consolador notar que as culturas mudam, mesmo que de forma lenta. A abordagem por grupos foi parte de toda a cultura ao redor do mundo, por dezenas de milhares de anos, então, talvez, somente se possa esperar um progresso lento nos séculos posteriores ao Iluminismo.
Ou é tentador dar crédito à hipótese da psicologia evolucionária que a abordagem por grupos está agora impregnada dentro de cada ser humano, portanto, um processo constante e intenso de educação é necessário para que esqueçamos e superemos tal programação mental.
Ou é atraente notar que vivemos em uma parte do mundo amigável à imigração, e cada geração estabelece contato com muitas pessoas de atitudes ultrapassadas de partes menos civilizadas do mundo. Então, novamente, talvez somente se possa esperar um processo lento de educação cultural.
Mesmo assim, sinto-me impaciente. Como podemos acelerar o processo civilizatório?
Dizem-nos, por vezes, que devemos ensinar e aprender tolerância. Precisamos ter um cuidado especial com respeito às palavras utilizadas, já que a solução não é a tolerância racial.
Esse é um ponto que foi destacado pelo filósofo David Kelley. Tolerância é a prática de “permitir ou autorizar uma coisa que o indivíduo, em seu âmago, desaprova”: significa que o indivíduo tem que “suportar ou aguentar” algo que considera errado. Mas deveríamos pensar que existe algo errado com tons de pele diferentes? Há justificativa na desaprovação de diferenças de raças, ou mesmo tolerância em nome da civilidade? É claro que não.
A tolerância é devidamente aplicada a diferenças que têm significância normativa e que são questões deescolha. Por exemplo, veja a questão da religião. Indivíduos fazem escolhas distintas quanto à religião, e todas as religiões têm crenças, valores e práticas com significâncias moral e política — sobre dinheiro, poder, e o sentido da vida. Mas uma característica crucial da religião é que cada indivíduo deve fazer suas próprias escolhas. Nesse sentido, devemos respeitar a espiritualidade de cada um (suas escolhas), isto é, conviver com o fato de que as outras pessoas farão escolhas com as quais eventualmente discordaremos. Isso é tolerância.
Nada disso se aplica à raça. A quantidade de pigmento na pele de um indivíduo não é uma questão de escolha. E ser mais ou menos marrom, branco, vermelho ou amarelo não é algo que seja moral ou politicamente significativo.
Suponha analogicamente que, em vez da cor da pele, foquemos na cor do cabelo. Cores de cabelo variam naturalmente do ruivo ao loiro, do castanho ao preto. Podemos, é claro, dividir as pessoas em grupos (respeitando a cor do seu cabelo), mas seria ridículo dizer que temos que tolerar ruivas ou loiras. Ou que temos que tolerar pessoas de olhos castanhos ou verdes. Ou que temos que aprender a suportar ou aguentar o fato de que algumas pessoas são mais altas ou mais baixas. A tolerância é um conceito inapropriado em todos esses casos.
Nós podemos ter preferências estéticas sobre cores de cabelos e tons de pele, assim como temos preferências sobre cores de roupas e de decoração de casas. E pode haver fatores relevantes do ponto de vista médico sobre qual seja a raça-vetor (o médico Keith Norris resume o estado atual de nosso conhecimento).
Mas a tolerância é um conceito inapropriado aqui, já que não há razão para pensar que a raça seja relevante para a ética ou a política.
A ética trata de valores, caráter, ações e hábitos (costumes). Quais deveriam ser os principais objetivos de minha vida — a busca da felicidade, amor, riqueza, beleza, aventura e assim por diante? Quais virtudes de caráter — integridade, honestidade, coragem e assim por diante — eu deveria personificar? Quais ações particulares eu deveria tomar para alcançar meus objetivos? E quais hábitos de pensamento, de sentimento, e de ação que deveriam se tornar automáticos?
O ponto sobre a ética é que a cor da pele é irrelevante. Qualquer pessoa, independente da cor de sua pele, pode se tornar um nobre ou um patife. Sempre e quando alguém tenta agrupar pessoas como amarelas, brancas, negras ou vermelhas, existem muitos exemplos em cada grupo de indivíduos preguiçosos, hipócritas, covardes e totalmente maus, assim como muitos exemplares de dignidade, saúde, coragem e realização. Tampouco há evidência de que os valores superiores (elevados) de amizade, saúde ou sucesso são mais ou menos importantes para os indivíduos dependendo de sua cor de pele.
Nem a raça é um traço politicamente relevante. A política trata devidamente da definição e proteção do espaço social dentro do qual os indivíduos seguem suas próprias convicções (concepções) de uma vida boa. Os indivíduos são e deveriam ser tratados como agentes autorresponsáveis dotados de vida, liberdade e direitos de propriedade. Esses direitos não variam por causa da cor da pele, sexo, altura ou peso – ou até mesmo inteligência. Einstein pode ter sido duas vezes mais esperto que eu, mas ele não tem duas vezes mais direitos que eu. Seja qual for a distribuição de inteligência, ou a categorização de um indivíduo, isso é politicamente irrelevante: todo o indivíduo necessita governar sua própria vida, sendo capaz de agir livremente, de acordo com seu melhor julgamento.
Portanto, já é tempo de irmos além da tolerância racial. Em um mundo onde algumas pessoas têm atitudes negativas com respeito à raça, o primeiro passo é encorajá-las a reprimir tal postura, agindo de forma diferente. Mas também sabemos que bilhões de indivíduos já aprenderam a lição não tão difícil que o que realmente importa é o caráter individual e o respeito pelos direitos individuais. Então, não é pedir muito esperar que o primitivismo racial continue a perder força com o avanço da civilização.
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“A tolerância racial é o melhor que podemos conseguir?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.