Discriminação injusta e irracional no ambiente de trabalho merece denúncia e condenação. Mas e o que dizer da discriminação racional? Considere os seguintes casos.
Você é gestor do comitê responsável pela contratação do novo presidente de uma faculdade historicamente composta por estudantes negros. Então, você discrimina em favor de candidatos negros e contra candidatos não negros.
Você é proprietário de uma academia, e deseja contratar uma auxiliar para o vestiário feminino. No processo de seleção, você discrimina com base no sexo: não são considerados homens.
Você é o chefe dos detetives de uma cidade onde ocorreu uma série de crimes sem solução em um bairro latino. Você decide enviar um dos seus detetives disfarçado para investigar. Então, você discrimina com base na etnia, enviando um detetive latino.
A discriminação é uma função cognitiva essencial, e como todas as funções cognitivas, pode ser bem ou mal utilizada. Nós somos uma espécie inteligente, e nossa inteligência funciona pela identificação de similaridades e diferenças, categorização das coisas de acordo com essas similaridades e diferenças, e ação correspondente.
Nossos sentidos funcionam pela discriminação de padrões de energia luminosa (visão), ondas sonoras (audição), composição química (olfato e sabor), e densidade e textura (tato). Falamos daqueles com um paladar diferenciado em questões culinárias e daqueles com um ouvido para música, e o objetivo constante dos aprendizes é maior proficiência na discriminação perceptiva.
Nossa faculdade perceptiva funciona pela categorização abstrata baseada na discriminação de similaridades e diferenças. Uma característica de uma pessoa educada é sua habilidade de definir e utilizar um grande repertório de conceitos abstratos, incluindo a habilidade de exercer julgamentos discriminatórios em situações complexas. O que, por exemplo, distingue com precisão democratas de conservadores, eruptivos de sedimentares, invejosos de ciumentos, vírus de bactérias e assim por diante?
E, se não bastasse, nossa inteligência funciona formando e aplicando distinções avaliativo-qualitativas. Necessitamos discriminar o nutritivo do venenoso, amigos de inimigos, competentes de incompetentes, inocentes de culpados.
Então, em nosso esforço para reduzir a discriminação irracional e injusta, é importante não perdermos o que é bom ao eliminar o que é mau. Dizer, por exemplo, que ninguém nunca deveria discriminar no ambiente de trabalho ou pedir a eliminação de todas as discriminações é, na melhor hipótese, desleixo intelectual. Na pior das hipóteses, usar discriminação como um termo puramente negativo mina nossa habilidade de fazer distinções frequentemente necessárias no caso da lei e do ambiente de trabalho. (E no caso do amor, devemos adicionar: no namoro, a maioria de nós discrimina cruelmente com base no sexo). Devemos discriminar; todavia, devemos discriminar da forma correta, e para isso necessitamos de padrões claros que nos auxiliem a distinguir entre discriminação racional e irracional.
Vamos retomar os três exemplos iniciais, focados no ambiente de trabalho — o presidente negro da faculdade, a auxiliar de vestiário, e o detetive latino — e identificar o que os tornam casos de discriminação racional com base na raça, sexo e etnia.
Em cada caso, a raça, sexo ou etnia da pessoa é relevante para a execução da tarefa. Então, vamos testar essa afirmação por meio de padrões avaliativos em cada um dos casos:
- O presidente da faculdade cumpre diversas funções executivas — estratégia, administração, angariação de fundos — mas também um papel de autoridade como representante simbólico da missão educacional daquela instituição. Uma faculdade historicamente negra tem, como missão principal, a educação de jovens negros. Assim, considerar a raça do candidato à presidência é relevante, julgando sua habilidade para ser um verdadeiro líder para aquele tipo de faculdade.
- No vestiário de uma academia, os clientes trocam de roupa e tomam banho. Para o conforto psicológico da maioria das clientes que usam o vestiário, a auxiliar do sexo feminino é importante. Portanto, o proprietário da academia é racional na contratação de auxiliares com base no sexo.
- As características étnicas do detetive latino permitem que ele passe a fazer parte da comunidade latina de forma que seria quase impossível para um não latino. Então, a afiliação étnica é diretamente relevante para o desempenho dessa operação sigilosa, e é aconselhável que o chefe dos detetives respeite tal fato.
Por outro lado, a discriminação no ambiente de trabalho não é correta se a característica utilizada no julgamento não tem nenhuma relevância para a habilidade da pessoa executar determinada tarefa.
Aqui estão outros três casos. Você acha a discriminação nesses casos apropriada ou inapropriada?
Você é diretor em um teatro devotado a performances autenticamente históricas das obras de Shakespeare. Nessa temporada, você apresentará Otelo, então você contrata um ator negro para ser Otelo. Você também está apresentando Romeo e Julieta, e você contrata uma jovem para ser Julieta — não é Romeo e Davi, certo?).
Você é uma empresária que trabalha sozinha em seu home office. Os negócios vão bem e você deseja contratar uma assistente para trabalhar com você. Ter um assistente sozinho com você em sua casa gera riscos a sua segurança (do ponto de vista moral e sexual). Então, no anúncio da vaga de emprego, você indica que somente aceitará currículos de mulheres.
Você é proprietário de um restaurante de comida chinesa em Nova York. Mas não qualquer restaurante chinês: você quer que os seus clientes tenham uma autêntica experiência cultural chinesa. Então, você gasta milhões de dólares em decoração, tecidos de linho, louças, talheres e obras de arte diretamente da China. Você contrata um chefe de cozinha de Xangai e uma recepcionista de Hong Kong. Agora, você está contratando uma ajudante de cozinha — e um candidato é um homem alto, loiro e de descendência escandinava com um forte sotaque do Bronx. Você não o contrata.
Hoje, nossa questão não é política. Governos deveriam proteger os direitos do cidadão à vida, à liberdade e à propriedade independentemente de raça, sexo ou etnia. Um desses direitos é a liberdade de associação, e isso significa que, da perspectiva do governo, ele deve proteger o direito individual de se associar ou não com base na raça, sexo ou etnia.
Nossa questão é moral: quando é apropriada a discriminação por parte dos indivíduos?
Julgamentos relacionados às pessoas com quem nos associamos são frequentemente complexos. Nós precisamos discriminar tendo em vista todos os fatores relevantes aos nossos atuais e potenciais associados, e definir padrões para o julgamento de tais fatores. No ambiente de trabalho, pessoas decentes desejam julgar e serem julgadas pelos seus méritos e qualificações relevantes — isto é, de acordo com sua habilidade de fazer o que tem que ser — e pessoas decentes ficam horrorizadas com a discriminação irracional.
Às vezes, todavia, a discriminação é racional: se raça, sexo ou etnia podem frequentemente ser relevantes para o desempenho laboral, então pessoas decentes também devem se esforçar para exercitar o julgamento discriminatório na determinação de quando os fatores são relevantes, quando não são, e como agir de acordo.
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“Existe discriminação racional?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.