Honestamente: você tem o que é preciso? Todos nós gostamos de pensar que somos mais espertos que a maioria, mas a matemática é cruel. Metade de nós está abaixo da inteligência média, e alguns de nós estão consideravelmente abaixo dela. Então, por que deveríamos pensar que a liberdade é uma boa política para todos?
Eu acredito que a liberdade seja a melhor política; às vezes, todavia, não é fácil defendê-la. Pressupõe-se que, em uma sociedade livre, as pessoas sejam capazes de viver de forma responsável, o que, por sua vez, pressupõe que elas tenham inteligência suficiente para tal. Uma democracia pressupõe que a maioria das pessoas tomará boas decisões políticas de forma consistente, o que, por sua vez, pressupõe que elas tenham inteligência suficiente para fazê-lo.
Mas se pode alegar, sim, que é ingênuo pensar que a maioria das pessoas é suficientemente inteligente. Aceitamos esse difícil desafio, já que somente ao confrontar os melhores argumentos de ambos os lados é que poderemos estar certos de nossas próprias conclusões.
Aqui está a suprema ironia, cortesia do colunista Marilyn vos Savant, sobre quão baixa pode ser a inteligência média. Vos Savant tem a distinção, de acordo com o Guiness Book, de ter a maior pontuação de todos os tempos em testes de QI.
Um leitor escreveu a Vos Savant com um problema matemático confuso que tinha estado debatendo no jantar com sua esposa e seu cunhado. Suponha que você encha um copo com 100% de farelo de cereal Bran (%) em uma tigela, e depois você coloca um copo com 40% de cereal Bran dentro da mesma tigela. Qual a porcentagem de Bran dentro da tigela?
A esposa do leitor disse 140% — aparentemente, um indivíduo deveria somar as duas porcentagens para obter a resposta correta. O cunhado discordou, defendendo que um indivíduo deveria subtrair a porcentagem menor da maior, de forma que a resposta correta é 60%. O leitor, por sua vez, pensou que ambas as respostas, 140% e 60%, estavam erradas — e que a resposta correta depende se o primeiro copo foi de bran 100% ou de bran 40%.
Aqui temos três pessoas que não sabem resolver problemas matemáticos básicos. Quais são as chances de elas terem as habilidades cognitivas necessárias para viver nesse mundo complexo e altamente tecnológico? Elas podem calcular as porcentagens para, digamos, uma boa nutrição ou taxas de juros compostos do cartão de crédito? Para tal, é necessário somente considerar quantas pessoas são obesas ou estão muito endividadas. Intelectualmente, eles estão praticamente perdidos no mundo atual — e, em nome da liberdade, temos de deixá-los à própria sorte.
E pode ser pior. Talvez você saiba matemática básica. Mas não podemos esquecer que os três cidadãos supracitados podem facilmente derrotar você em qualquer votação referente a políticas públicas. Quais são as chances de que os votos dos três eleitores (que têm problemas com a matemática) sejam melhores que o seu voto (de uma pessoa que sabe matemática) no que tange à política orçamentária; julgamento de níveis aceitáveis de agrotóxicos nos alimentos; eficácia de vacinas ou mesmo na questão do clima? Quais são as chances de que a democracia seja algo mais que um lento suicídio dos coletivamente estúpidos?
Talvez uma liberdade administrada seja melhor para a maioria das pessoas. É claro, alguns de nós são mais inteligentes que os outros. Então, os inteligentes (eu, você e vos Savant) podem fazer o bem ao tomar as decisões importantes em nome dos nossos concidadãos menos inteligentes ou, pelo menos, empurrá-los na direção correta. Isso não seria melhor para os menos inteligentes que deixá-los dependentes de sua precária inteligência?
Então, o argumento conclui, sejamos sinceros: deveríamos desenvolver um sistema político que concede poder aos inteligentes. Vamos tirar imediatamente o poder dos menos inteligentes — pelo seu próprio bem e pelo bem da sociedade como um todo.
Nos tempos antigos, Platão argumentou que precisamos de reis-filósofos. Para nossa moderna sociedade, intensiva em tecnologia e ciência, podemos atualizar o termo: precisamos de reis- filósofos-cientistas.
Você se assusta com o tom ditatorial da proposta? Talvez, nós não precisamos ir tão longe, incluindo alguns elementos democráticos. Podemos permitir que todos votem, deixando que a maioria dos votos determine quais candidatos terão a autoridade para tomar decisões importantes em nosso nome. Ou, para tornar nossas escolhas como eleitores mais fáceis, vamos obrigar que os partidos escolham previamente os candidatos mais inteligentes, e nós, eleitores, escolheremos os melhores entre eles.
Mas nossos representantes, uma vez eleitos, logo terão problemas. Eles perceberão que o mundo é muito complexo e que muitas, mas muitas decisões importantes devem ser tomadas — mas que eles próprios nem sempre têm o conhecimento necessário para decidir de forma sábia.
Então, eles criarão uma série de agências governamentais empregando especialistas — manufatura e comércio, serviços bancários e finanças, alimentação, farmacêuticos e medicina, transporte, e educação de nossas crianças. Essas agências especializadas serão autorizadas a tomar as medidas necessárias em nosso nome, e nós poderemos viver felizes, sabendo que pessoas inteligentes estão cuidando de nossas vidas.
Eu acabei de descrever algo muito parecido com o sistema atual dos Estados Unidos e da maioria das nações desenvolvidas do mundo. Dependendo da visão de cada um, vivemos em algo que deveria ser chamado Democracia paternalista duplamente indireta ou a Aristocracia benevolente altamente diferente. Nós, cidadãos, podemos fazer algumas escolhas, mas dentro de uma estrutura selecionada e oficializada por nossos superiores intelectuais.
Naquele sistema, os de menor inteligência são protegidos das consequências de sua ignorância em suas próprias vidas, e o restante de nós são protegidos das consequências dos seus votos em nossa vida pública. Talvez alguns ajustes no sistema sejam necessários — mas se a lógica do argumento acima é válida, então nós já vivemos no melhor dos mundos políticos.
Então, temos um desafio para aqueles de nós que desejam viver livremente. Nós queremos escolher a educação de nossos filhos. Nós queremos decidir por nós mesmos o que beber e comer. Nós queremos fazer nossos próprios planos financeiros. Nós até mesmo queremos escolher nossos próprios médicos e planos de saúde, e muito mais. Mas por que isso deveria importar à luz do argumento supracitado em prol do paternalismo?
Note que o argumento paternalista é impulsionado pelo medo — medo dos estúpidos e dos desinformados. Nós precisamos protegê-los deles mesmos porque tememos que não possam viver sozinhos. E precisamos nos proteger dos estúpidos e desinformados, porque tememos as consequências do poder político dessa maioria em uma democracia.
Esses medos não são considerações irrelevantes, mas não são a base para uma filosofia política apropriada. Por que não? Esse é o tema do meu próximo artigo.
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“Você é capaz de viver uma sociedade livre?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.