Inteligência é o recurso mais importante do ser humano.
Um sinal disso é o tempo que gastamos na educação de nossos jovens. Para algumas espécies, tais como esquilos e águias, o aprendizado necessário para se tornar um adulto é adquirido em questão de meses. Para espécies mais inteligentes, tais como chimpanzés e elefantes, é uma questão de anos. Mas nós, humanos, necessitamos de uma dezena ou mais de anos para adquirir o conhecimento, as habilidades de aprendizado, e o julgamento necessário para a vida adulta.
Nós precisamos desenvolver o nosso físico — força muscular, resistência e flexibilidade — mas, sobretudo, cada pessoa necessita desenvolver sua mente. Um leão usa a força para subjugar sua preza, o inseto usa a flexibilidade para encontrar o que necessita em buracos e fendas, e um ganso usa a resistência para voar centenas de quilômetros. No entanto, os humanos prosperam, principalmente, pelo poder do seu pensamento.
“Mente são, corpo são” — disse o antigo poeta romano. Esse é o estado de total realização do ser humano. (O que pode explicar porque pessoas espertas são tão atraentes — embora eu devesse evitar transformar esse artigo em uma confissão pessoal).
A conexão entre inteligência e viver livremente é estabelecida pelo pensamento — capacidade inerente à mente de cada indivíduo — que lhe permite interagir com o mundo ao seu redor. Um ser humano livre vive ao pensar por si próprio, ao agir de acordo com seu julgamento, e ao se responsabilizar pelos resultados.
É claro que pode haver ajuda alheia; todavia, essencialmente, cada um de nós deve chegar a suas próprias conclusões, trilhando o seu próprio caminho. Quando nos tornamos adultos, deveríamos ser capazes de viver de forma independente. Esse é o desafio e a beleza de ser humano.
Em uma sociedade cada dia mais complexa, viver bem depende de nossa habilidade para entender coisas complicadas — como funcionam as tecnologias, princípios de civilidade, mercados internacionais, política global e assim por diante. A complexidade da sociedade aumenta conforme aprendemos e fazemos mais, e aquela mesma complexidade felizmente nos presenteia com os mais variados estilos de vida. Mas esses estilos de vida também geram mais demandas sobre a nossa inteligência.
E se algumas pessoas não conseguirem acompanhar o ritmo?
É por isso que o desafio do paternalismo é tão profundo. A alegação paternalista é que alguns de nós são cognitivamente mais forte que outros, e que o bem-estar dos cognitivamente mais fracos e da sociedade como um todo será melhorada se algum poder decisório for retirado dos mais fracos.
Os paternalistas reconhecem que, sim, isso pode ser elitista. Mas, eles contra-atacam: o liberalismo também não é elitista? A liberdade funciona somente para os inteligentes entre nós — isto é, para aqueles que têm o que é necessário para viver de forma autorresponsável. Mas ele ignora as capacidades dos menos dotados entre nós, que necessitam de alguma supervisão. Assim sendo, a política mais benevolente não seria a paternalista, aquela que aplica limitações à liberdade?
O paternalismo faz três alegações interligadas:
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O controle paternal trará resultados gerais melhores que a liberdade.
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Nós nos deparamos com um trade-off: devemos escolher entre (a) viver com menos liberdade, mas em condições melhores ou (b) viver com mais liberdade, mas em piores condições)
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A opção (a) é preferível.
Todas essas alegações são falsas.
Em primeiro lugar, pouquíssimas pessoas são tão incapazes ao ponto de não saber como administrar suas vidas. Se, de fato, estivermos preocupados com a próxima geração, basta ver as crianças jogando videogames, com todas as demandas de exploração, avaliação, coordenação, memória e assim por diante. Quantas dessas crianças são, por natureza, tão limitadas cognitivamente como para serem incapazes de aprender as habilidades básicas à vida?
Algumas são. Mas a maior parte daquela pequena minoria pode se tornar adulta, trabalhar com atividades mais simples, vestir-se e se alimentar, brincar e desfrutar de seu tempo livre como preferir. E para caminhar em terrenos intelectualmente desafiantes, eles podem confiar em redes sociais estabelecidas com familiares, amigos, vizinhos e organizações filantrópicas. O próprio número irrisório de pessoas pouco inteligentes não justifica políticas governamentais paternalistas.
Outra pergunta pertinente seria: Quantas pessoas incapacitadas intelectualmente dessa geração são assim por culpa do paternalismo da geração passada? Na década passada, os legisladores paternalistas focaram nas pessoas que estavam fazendo escolhas erradas. Assim, tiraram o seu poder de decisão — prejudicando ainda mais a capacidade de aquela geração saber como tomar decisões corretas.
Se, por exemplo, você tirar o plano de aposentadoria das mãos das pessoas, você faz com que mais pessoas não tenham um plano de aposentadoria. Se você livrar os pais da responsabilidade pela educação dos seus filhos, então você criará pais menos competentes. E quando essa geração chegar, os paternalistas se desesperam com o fracasso no planejamento financeiro e parental — e pedem mais paternalismo como solução.
A solução não é mais paternalismo, mas sim menos.
O paternalismo também envolve uma injustiça: para ajudar alguns, nega liberdade aos outros. Alguns indivíduos não podem avaliar competentemente os valores nutricionais dos alimentos e bebidas que ingerem, por exemplo, os paternalistas querem limitar as opções alimentares de todo o mundo. No máximo, o desejo dos paternalistas de controlar os outros deveria, no máximo, focar-se naqueles que eles julgam ser intelectualmente inferiores (abaixo da média). Não há justificativa para estender aquele controle ao restante da sociedade que é capaz de avaliar valores nutricionais.
De certa forma, uma sociedade livre é o caminho mais longo e difícil. Ela impõe demandas de pensamento e autorresponsabilidade sobre os indivíduos. Ao mesmo tempo, uma sociedade livre é o caminho mais fácil, porque as sociedades livres são mais ricas e com mais recursos disponíveis para o nosso desenvolvimento cognitivo e mais proteções contra os erros que cometemos.
Uma sociedade livre realmente se torna mais complexa nas áreas de tecnologia, direito, finanças e medicina. Ao mesmo tempo, ela cultiva uma variedade de especialistas — mecânicos, advogados, planejadores financeiros, médicos — com quem podemos nos consultar para obter conhecimento e aconselhamento necessário para tomarmos nossas decisões.
Mesmo assim, muitas pessoas tomarão decisões ruins em uma sociedade livre. Mas, como a personagem do livro Crime e Castigo de Dostoiévski sabiamente disse: “Errar em nosso caminho é melhor que acertar em caminho alheio”. Ser humano significa fazer suas próprias escolhas. A sólida autorresponsabilidade é um princípio fundamental da moralidade. Não é algo negociável, independente do seu nível de inteligência.
O paternalismo subverte assim nossa humanidade.
Pense, como analogia, na questão parental. Podemos entender os pais que são tentados a controlar a vida de seus filhos até a vida adulta. Eles trouxeram o filho ao mundo e exerceram o controle paternal quando o filho era ainda criança. Mas essencial à missão parental é libertar os filhos do estado de dependência — e libertar a si mesmo do hábito de controle.
Existe algo errado com pais que têm a necessidade de controlar a vida adulta de seus filhos — estão mal orientados ou, na pior das hipóteses, trata-se de uma questão patológica.
O mesmo se aplica a políticos paternalistas, só que com menos desculpas.
No próximo artigo: respondendo os argumentos paternalistas em prol da limitação da democracia.
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“Inteligência, liberdade e quem sabe o que é melhor para você”. Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.