Tempos difíceis para a liberdade de expressão.
Há um século, a Alemanha era uma nação autoritária. O Kaiser Guilherme II estava presidindo as forças da nação na 1º Guerra Mundial, enquanto o jovem Adolf Hitler estava trabalhando para ser ele o comandante das forças da nação na 2ª Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos eram refúgios dos ideais liberais.
Ao que parece, essas nações decidiram inverter papéis no que concerne a liberdade de expressão. Neste ano, as autoridades alemãs decidiram permitir a reimpressão da obra Mein Kampf (Minha Luta) [ver também Republicar “Mein Kampf” é a decisão correta?], de Adolf Hitler. Mas, simultaneamente, o governo britânico ordenou suas universidades a policiarem ideias extremistas dentro de seus limites territoriais. E com a época de formaturas se aproximando nos Estados Unidos, podemos esperar outra rodada de “desconvite” aos paraninfos por causa da demanda dos estudantes universitários de não serem obrigados a ouvir coisas fora de sua zona de conforto.
Vamos analisar as novas diretivas do governo britânico. Leia você mesmo o documento “Prevent Duty Guidance” no site de sua majestade, o governo (ou veja essa versão em PDF — em inglês) — especialmente, as páginas 20-23, as quais focam nos deveres especiais da educação superior. Ou você pode confiar no resumo que fiz abaixo:
O temor atual do governo britânico é o terrorismo, especialmente do tipo islâmico, e o grande número de jovens que se tornaram radicais enquanto estavam na universidade. Então, o governo decidiu que os estudantes em instituições de ensino superior agora necessitam de proteção extra contra ideias extremas. Isso irá, como o documento sugere, requerer algum tipo de “interação” com o compromisso tradicional das universidades para com a liberdade de expressão.
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Em primeiro lugar na lista de preocupações do governo estão os palestrantes convidados que podem expor os estudantes a visões radicais. Orientações sobre quem convidar e quais condições impor aos convidados serão apresentadas em um futuro próximo.
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Não obstante, os estudantes também podem ser influenciados por estudantes já radicais em eventos estudantis e “por meio de contato pessoal com outros colegas e por meio de atividades nas redes sociais”. Dessa forma, o governo instiga as universidades a “reconhecerem esses sinais” e aprenderem como responder.
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Computadores e outros dispositivos não devem ser ignorados. A TI pode ser utilizada para acessar material perigoso ou para fins terroristas, de forma que as universidades “deveriam considerar o uso de filtros como parte de uma estratégia geral de combate ao terrorismo”.
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Em uma frase que aparece diversas vezes, o documento enfatiza que o alvo não é “somente o extremismo violento, mas também o não violento”.
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Isso requererá o treinamento do quadro de funcionários, os quais são, entre outras coisas, responsáveis por “compartilhar informação sobre indivíduos vulneráveis”.
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Para gerenciar tudo isso, o governo recomenda que as universidades estabeleçam um “ponto único de contato” e que consultem “coordenadores” apontados pelo governo para saberem se estão fazendo um bom trabalho.
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O documento também inclui um lembrete de quem está pagando grande parte da conta (o governo britânico), isto é, quem é que manda.
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E um último aspecto: o Secretário de Estado monitorará as universidades “para verificar seu nível de cooperação” de formas a serem confirmadas posteriormente.
O que poderia dar errado? (Talvez os leitores da obra Harry Potter e a Ordem de Fênix, de J. K. Rowling já sabem da história: o ministério enviará Dolores Umbridge para Hogwarts).
Em primeiro lugar, vamos tratar de uma questão importante, porém secundária — o uso regular no documento da palavra ambígua “extremismo”, a qual é com frequência um eufemismo para “posições firmes com as quais eu discordo”.
Definitivamente, o extremismo não é o problema. Algumas ideias e ações extremas são verdadeiras, importantes e saudáveis: extremismo na higiene enquanto um cirurgião se prepara para uma operação, extremismo no consumo de comidas saudáveis e ao evitar venenos, e extremismo contra a pedofilia. O problema do terrorismo é o problema das ideias falsas e destrutivas, não das ideias extremas.
Outra questão importante, porém secundária: a inclusão de formas violentas e não violentas de extremismo por parte do governo. O que é extremismo não violento? Mahatma Gandhi era extremo com respeito à não violência. Suas ideias são consideras suspeitas? É claro que não! — dizem alguns — Não seja ridículo! Não queremos banir Gandhi! Contudo, quem realmente sabe quais serão os limites? Devido à linguagem burocrática do documento, devemos esperar até que os coordenadores apontados pelo governo decidam nos dizer.
Outra questão secundária: os lobbies dos interesses especiais já começaram a operar e, devido a um tecnicismo, os grupos estudantis das universidades de Oxford e Cambridge tem uma isenção especial (um colega recordou que os espiões comunistas Philby, Burgess, Blunt e Maclean foram recrutados em Cambridge, portanto, não está claro quão efetiva será tal isenção). Mas, é claro, foi a politicagem que levou à isenção das universidades de elite, e não princípios nobres.
No entanto, o ponto principal em resposta aos “Prevent Duty Guidelines” diz respeito aos princípios nobres.
O documento faz referência “aos valores britânicos fundamentais de democracia, do estado de direito, da liberdade individual e do respeito mútuo e tolerância para com aqueles que têm convicções e crenças religiosas diferentes”. Excelente — são exatamente esses valores que estão em jogo.
Contudo, eles não podem ser preservados por doutrinação, medidas parciais, ou ignorância dos seus inimigos. Nossa melhor defesa da democracia, liberalismo e tolerância consiste de cidadãos bem educados, isto é, aqueles que conhecem o que tais valores significam e do que dependem — e que conhecem os melhores argumentos dos oponentes da democracia, do liberalismo e da tolerância.
Especialmente no contexto da universidade, a educação requer comprometimento aos princípios da liberdade de expressão e de debate. Ao tentar limitar o escopo de ideias em vez de estendê-lo, o governo britânico está implicitamente admitindo que tem pouca confiança que suas melhores mentes possam superar as ideias de terroristas em um debate livre — mesmo dentro de suas próprias universidades.
Esta pode ser uma preocupação genuína. Ainda assim, os oficiais britânicos colaborariam muito mais com a democracia por meio da releitura de sua trindade de Johns — Milton, Locke e Mill — três filósofos cuja defesa de um vigoroso e aberto liberalismo, especialmente no pensamento e no debate, foi essencial para tornar a Grã-Bretanha em uma nação próspera. As obras Areopagitica de John Milton, A Letter Concerning Toleration (Uma carta sobre a tolerância) de John Locke e o segundo capítulo da obra On Liberty (Sobre a liberdade) de John Stuart Mill são lições eternas sobre como impulsionar sociedades livres.
Nós também devemos lembrar que, por toda a sua história, a civilização liberal teve que lidar com uma oposição ideológica poderosa. Platão, Agostinho, Hobbes, Rousseau, Hegel, Marx, Nietzsche e Heidegger — todos eles são pensadores extremos implicados em vários níveis, em extremas ideologias, e práticas extremamente violentas. Não obstante, devemos le-los e entende-los. Não existem atalhos.
Então, no combate ao último inimigo, o Islã politizado, teremos mais sucesso ao encorajar os estudantes a lerem os escritos islâmicos, por exemplo, a obra Milestones de Sayyid Qutb´s (como farei nesse outono em meu curso Filosofia da Religião).
Os oficiais do “Prevent Guidance Compliance” futricando e censurando instituições de educação superior podem levar somente na direção do fracasso — a universidades que formarão uma geração inteira de cidadãos ignorantes das ideias inimigas e incapazes de argumentar de forma eficiente contra elas.
Séculos atrás, os britânicos nos ensinaram a viver livremente. Eles podem novamente encontrar uma forma de derrotar ideias inimigas — de forma aberta, limpa e firme.
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“A liberdade de expressão está morta nas universidades?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.