Coisas ruins acontecem no livre mercado. Algumas pessoas mentem, utilizam atalhos, cometem fraudes e passam cheques sem fundo. Outros não cumprem contratos, oferecem ou aceitam suborno, pagam propina, roubam e assim por diante.
Frequentemente isso se traduz em argumentos em prol da regulamentação governamental. O livre mercado maximiza a liberdade, diz o argumento, dando mais oportunidades aos indivíduos imorais. Logo, a regulamentação governamental é necessária para controlar a imoralidade.
Contrariando tal argumento, existe a alegação de que o livre mercado pode se autopoliciar. Empresas e indivíduos estão preocupados com suas reputações, de forma que as empresas e os indivíduos bem sucedidos procurarão se resguardar de escândalos. Consumidores astutos podem buscar seus direitos, pesquisar antes de comprar, e divulgar quaisquer tipos de abusos. E o litígio é sempre uma opção para se buscar compensação em casos mais sérios de mau comportamento.
Mas então um escândalo ocorre no mundo corporativo — a fraude contábil da Enron ou o Esquema Ponzi de Bernie Madoff, por exemplo — e o outro lado do debate é reenergizado. Viu! Finalmente capturamos alguns bandidos! Ao que parece, aquele tipo de comportamento é normal, e o livre mercado obviamente não consegue se policiar, daí a clara necessidade de maior regulamentação governamental.
Não tão rápido — o outro lado responde, pois a regulamentação governamental introduz novas oportunidades de corrupção. Não sendo cínico, mas os funcionários públicos — políticos, burocratas e reguladores — não têm sido conhecidos por subornar, conceder favores, aceitar propinas e buscar o poder pelo poder? Conceda a esse tipo de pessoas o poder sobre pedaços multibilionários da economia e você terá muito mais corrupção.
A regulamentação política também atrai o tipo de empresários que são astutos em mudar as regras do sistema e que preferem usar o lobby e as ferramentas políticas para enriquecer, ao invés de conquistá-la por meio do livre mercado.
A Enron, por exemplo, era uma clássica empresa corporativista dentro de um dos setores de negócios mais regulamentados — o setor de energia. O Citibank, que foi resgatado diversas vezes na última metade do século XX, é outra empresa “conectada” em outro dos setores mais regulamentados pelo governo — o setor bancário.
Felizmente, a ciência social moderna veio ao nosso socorro. Mais dados estão disponíveis, e computadores mais rápidos e estatísticas mais sofisticadas fornecem-nos melhores ferramentas para compreender a realidade.
Uma forma de analisar as informações é por meio da comparação entre países ao redor do mundo. Algumas nações são mais transparentes e outras são mais corruptas. E algumas nações são mais limpas e outras são mais regulamentadas.
Sobre transparência e corrupção: a Transparência Internacional faz um bom trabalho de medição da corrupção. Todos os anos ela publica um índice que estabelece um ranking de 180 países, do mais transparente ao mais corrupto. Nações como Dinamarca, Nova Zelândia e Canadá tipicamente obtém uma ótima classificação como relativamente transparentes. Outras nações como o Zimbábue, Venezuela e Uzbequistão são notoriamente corruptas. E nações como Argentina, Tailândia e Etiópia estão atualmente no meio do ranking.
Sobre liberdade e regulamentação: o Doing Business é um índice publicado pelo Banco Mundial. Ele constrói um índice de 189 economias que mede a liberdade dos negócios por diversas dimensões: nível de facilidade para 1) obter uma licença; 2) direito de propriedade; 3) proteção contratual. Hong Kong, Suíça e Estados Unidos tipicamente estão no topo da lista (mais fácil de fazer negócios). Entretanto, as economias mais controladas e onde é mais difícil para fazer negócios incluem Bolívia, Haiti e Angola. E no meio do ranking estão nações como Rússia, Marrocos e Costa Rica. Outro índice interessante é o Índice de Liberdade Econômica [link em português].
Então, podemos realizar um teste: coloque as nações mais transparentes de um lado e nações mais corruptas do outro. Depois, separe nações mais livres de um lado e nações mais regulamentadas do outro. Agora compare as duas listas. As nações mais livres também são as mais transparentes? Ou são as mais corruptas? Nações mais controladas e regulamentadas têm níveis menores de corrupção nos negócios? Ou são as mais sujas?
Veja você mesmo e tire suas conclusões — é indiscutível que os dados mostram uma forte correlação: as economias que têm melhor relação com os negócios são as menos corruptas, e as com pior relação com os negócios são as mais corruptas.
Esse é somente um teste; não há dúvida de que existem outros fatores culturais que contribuem positiva ou negativamente para o panorama de cada país.
E se nos dedicássemos a investigar uma única nação? Há muitos dados e estatísticas sobre os Estados Unidos. Uma medida crua de regulamentação nos Estados Unidos têm sido contar o número de páginas do Diário Oficial — a publicação governamental que atualiza constantemente as leis e regulamentações. Algumas dessas regulamentações são novas e outras são modificações, e algumas das regulamentações são pequenas mudanças e outras envolvem grandes revisões. Mas o grosso do Diário Oficial efetivamente nos diz algo sobre as tendências regulatórias.
Um ponto de destaque é o site Regdata do Mercatus Center, o qual se propõe à árdua tarefa de medir níveis de regulação em diferentes setores. O insight aqui é que, digamos, finanças e entretenimento são dois grandes setores econômicos, contudo o setor bancário em Nova York é mais firmemente regulado que o setor cinematográfico de Hollywood. Ou para se fazer outra comparação: a produção de energia, tendo como seu centro principal Houston, é muito mais controlada que a produção de computadores, com centros principais no Vale do Silício e Redmond.
E se tentarmos contar a quantidade e a severidade das regulamentações dentro de cada setor de negócio? Então podemos mais precisamente avaliar e comparar setores distintos: agricultura, transportes, telecomunicações, esportes, finanças, atacado, varejo, energia, entretenimento, educação, mineração, manufatura, serviços públicos e assim por diante. (E o Regdata permite montar gráficos muito bacanas.)
Agora, que tal analisarmos a questão da corrupção: em quais setores ocorreram os casos mais notórios de corrupção de nossa geração? Enron, WorldCom, Arthur Anderson, Solyndra, Bernie Madoff, Countrywide, Bear Stearns e assim por diante. Escolha a sua própria de escândalos.
Agora para a questão decisiva: é pura coincidência que os piores casos de corrupção tenham ocorrido nos setores mais regulados — bancário, energia, habitação e transportes?
Por outro lado, considere algumas outras grandes corporações: Apple, Intel, Warner Brothers e a NFL. Elas trabalham em setores muito menos regulados — computação, entretenimento e esportes — e elas têm escândalos menores e mais mundanos.
Resolver o problema da corrupção é uma questão urgente, mesmo em países relativamente transparentes. Ela drena recursos dos produtivos, direcionando-os aos improdutivos. Talvez mais perigosa seja a desmoralização que a corrupção causa, já que faz com que as pessoas concluam que a geração de riqueza de forma honesta é uma ingenuidade, e que devem lucrar o máximo que podem antes que os inescrupulosos cheguem.
Sim, no livre mercado sempre haverá alguns casos de corrupção. No entanto, deveríamos estar abertos à hipótese, confirmada repetidamente pelas ciências sociais, que mais regulamentação significa politizar o mundo dos negócios ainda mais, e que os tipos de corrupção que a política permite são muito mais destrutivos.
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“Corrupção — a regulamentação governamental ajuda?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite EveryJoe.com para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.