Algumas partes do mundo realmente são infernos ambientais. São locais sujos e exauridos, tornando-os insalubres e economicamente insustentáveis. Nós podemos argumentar sobre aseveridade dos problemas de vários lugares; contudo, eu quero focar em outro aspecto do debate: a determinação precisa das causas da degradação, de forma que possamos focar produtivamente na busca de soluções.
Infelizmente, em grande parte, o debate público é caracterizado pela retórica emocional com a ignorância das alternativas e aceitação da primeira hipótese plausível.
Se perguntarmos quem é o culpado, a culpa será atribuída, na maioria das vezes, à natureza egoísta do homem (no original, The Greedy Nature of Man). Aqueles que aceitam essa resposta veem o autointeresse, o lucro, e o capitalismo como as raízes do problema. O autointeresse, argumentam, significa que as pessoas querem mais com o menor custo para si. O lucro no presente significa o uso de recursos o mais depressa possível, livrando-se dos resíduos da forma mais fácil. E o minimalismo proposto pelo capitalismo serve somente para encorajar tal comportamento libertino.
Vamos dar um nome à The Greedy Nature of Man — e proponho adicionar uma palavra — The Greedy Nature of Man´s Evil — para produzir um acrônimo GNOME. Nós podemos produzir algumas camisetas com os dizeres “GNOME is the problem” (gnomos são o problema).
O ensaio clássico A Tragédia dos Comuns de Garrett Hardin para a revista Science é às vezes utilizado em apoio dos GNOMOS. Hardin usou o exemplo de pastores que utilizam uma mesma pastagem. Cada pastor é um criador com interesses próprios, de forma que ele deseja colocar quantas vacas forem possíveis para pastar porque cada vaca adicional aumenta seus lucros. Mas cada vaca adicional também significa que menos pastagem está disponível para as vacas dos outros pastores. E, é claro, os outros pastores estão fazendo a mesma coisa. Mas com o aumento no número de vacas, a área de pastagem será cada vez menor. Assim, os pastores acabam presos em uma competição de soma-zero que leva à destruição da pastagem — e à morte de vacas e pastores magros.
A solução então parece óbvia: se o autointeresse de curto prazo é o problema — se a busca pelo lucro antissocial é o problema — e se o desenfreado capitalismo laissez-faire é o problema — então a solução requererá uma instituição poderosa capaz de domar a busca egoísta pelo lucro das pessoas, impondo regras sobre o uso de recursos que levam em conta as necessidades de longo prazo da sociedade como um todo; isto é, o governo deveria administrar os recursos da sociedade.
No caso dos pastores, por exemplo, o governo deveria dizer a cada pastor quantas vacas ele poderia levar à pastagem e por quanto tempo poderia lá deixa-las. O governo deveria obrigar cada pastor a fazer sua cota justa de manutenção e melhorias na pastagem — capina, construção de cercas, poços e coleta de resíduos. Além disso, o governo contratará policiais para assegurar que nenhum dos pastores trapaceará ou fugir das responsabilidades. E imporá tributos de maneira a financiar a execução da lei e o monitoramento. Isso quer dizer, uma política ambiental sábia demandará racionamento, alistamento militar, poder policial e tributação.
Daí a característica autoritária do ambientalismo atual, com pedidos de mais poderes para essa ou aquela agência governamental e mesmo a instauração de um governo mundial.
“Recursos básicos e empresas dessa área deveriam estar em mãos do setor público e da sociedade”, argumenta este documento preparado pela Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Ademais: “[O] desenvolvimento sustentável pode somente ser alcançado numa perspectiva global e não pode ser alcançado somente em nível nacional”.
A análise GNOME seduziu muitos jovens ambientalistas e políticos. Mas a GNOME se depara com algumas estatísticas contrárias e uma poderosa hipótese concorrente sobre a causa da degradação ambiental.
Considere, por exemplo, essa lista dos 25 lugares mais poluídos da Terra.
Na verdade — antes de você verificar aquela lista, faça algumas suposições:
- Dos 25 mais poluídos, quantos deles você acha que estarão localizados nas partes mais livres do mundo?
- Quantos deles você acha que serão socialistas, ex-socialistas, autoritários, ou localizados em outras partes do mundo com governos fortes?
Ou você pode confiar na minha contagem: Rússia e Índia estão no topo da lista, cada uma com três dos lugares mais poluídos da Terra. China e Azerbaidjão contribuem com dois cada. Os seguintes países apresentam um lugar cada: Ucrânia, Quirguizistão, Irã, Bangladesh, Indonésia, Congo, Tanzânia, Zâmbia, Haiti, México, Argentina, Brasil e Peru.
Agora, um detalhe interessante: cada um desses países é também reconhecidamente economicamente não livre. O Índice de Liberdade Econômica estabelece um ranking de 178 nações, da mais livre a menos livre, do ponto de vista econômico. A Rússia está na 143º posição. A Índia, 128º. Outras posições, China (139º), Irã (171º), Haiti (151º), Argentina (169º), Congo (170º) …e você pode verificar o resto por conta própria.
A questão é: os lugares mais poluídos do mundo são também os menos livres economicamente e, portanto, os mais anticapitalistas.
Em contraste, veja as nações que estão relativamente bem posicionadas no ILE: Hong Kong (1º), Nova Zelândia (3º), Suíça (5º), Canadá (6º), Bahrain (18º), Suécia (23º), Coréia do Sul (29º) e outros são exemplos representativos aqui. Naquelas nações existe uma forte busca pelo lucro, autointeresse e fortalecimento do capitalismo — e aquelas nações são relativamente limpas do ponto de vista ambiental.
Então, a popular hipótese GNOME enfrenta um paradoxo: ela nos diz que o capitalismo de livre mercado causa morte ambiental, mas os dados indicam que mais capitalismo está relacionado com mais saúde ambiental. Ela também nos diz que a administração governamental deveria salvar o ambiente, no entanto, os dados sugerem fortemente que os infernos ambientais ocorrem com maior frequência em sociedades que possuem um estado inchado.
O que significa que deveríamos considerar um hipótese concorrente.
Aquela hipótese também tem dois componentes. Um é que as sociedades planificadas estão repletas de problemas — incompetência, burocracia, corrupção e incentivos perversos, portanto, deveríamos esperar ineficiência e consequências não intencionais em tais sociedades.
A outra parte é que deveríamos conceder ao autointeresse e ao livre mercado mais crédito no que diz respeito à preservação ambiental. O autointeresse inclui o desejo de viver em um ambiente limpo, saudável e bonito. Os humanos são inteligentes o bastante para entender as consequências e a lucratividade no longo prazo. A propriedade privada e o livre mercado podem e efetivamente incentivam o uso consciente de recursos e o tratamento adequado de resíduos.
Além disso: as nações capitalistas tornam-se ricas — e essa riqueza pode ser revertida em forma derecursos para solucionar os problemas ambientais.
Vamos chamar essa nova hipótese de Capitalism Loves the Earth as Needed (o capitalismo ama a Terra como necessária). Vamos adotar o acrônimo CLEAN (limpo, em inglês) e explorar uma nova forma de interpretar do exemplo dos pastores proposto por Garrett Hardin em A Tragédia dos Comuns.
No último semestre de faculdade, fiquei sem dinheiro. Meu primeiro trabalho como professor já estava confirmado para o segundo semestre, contudo eu não tinha renda para os três meses de verão que o antecediam.
Resolvi, então, deixar de pagar aluguel de um apartamento e me mudar para uma residência estudantil com outras sete pessoas. Era uma casa antiga enorme com oito quartos, de forma que cada um tinha seu próprio quarto, e todos nós compartilhávamos uma cozinha e dois banheiros.
Existem pessoas organizadas e desorganizadas, logo, ao analisar os oito quartos, eles variavam de limpos a bagunçados, mas cada homem estava feliz com seu espaço. Ainda assim, as áreas comuns — cozinha e banheiros — estavam sempre de sujas a repulsivas e todos nós reclamávamos delas.
No dia seguinte à mudança, passei a tarde inteira limpando o banheiro próximo ao meu quarto. Dois dias se passaram e o banheiro estava sujo novamente, e resolvi não mais limpá-lo. Naquele verão, eu tomei banho na academia da universidade.
Nós tentamos resolver a bagunça da cozinha por meio de um sistema de rodízio. Sete dias por semana e oito pessoas na casa, de forma que a cada dia uma pessoa era responsável pela limpeza da cozinha, existindo uma pessoa como reserva (caso alguém não pudesse). A matemática do plano era boa, mas o rodízio durou somente três dias. Uma das pessoas não cumpriu seu dia: restos de comida, e pilhas de louça se acumularam, e a pessoa do dia seguinte se recusou a fazer o trabalho dobrado. Ninguém mais se entendeu e o sistema não funcionou. Eu comi fora de casa muitas vezes naquele verão.
Pergunta: por que as áreas comuns da casa eram inutilizáveis e as áreas privadas, plenamente utilizáveis?
Retornemos ao cenário clássico da tragédia dos comuns de Garrett Hardin. Cada pastor que utiliza uma pastagem comum X tem incentivo a colocar mais vacas ali para aumentar seus lucros. Ao mesmo tempo, pouco incentivo a cultivar a pastagem ou criar um poço, dado que estaria assumindo todo o trabalho duro enquanto os outros só tirariam proveito. Assim, a pastagem seria superutilizada, contudo mal cuidada e, em pouco tempo, inutilizável.
A hipótese da natureza gananciosa do homem culpa o autointeresse dos pastores: se somente eles não fossem tão egoisticamente preocupados com seus próprios lucros! Como podemos fazê-los agir em prol do bem comum? Claramente, precisamos que o governo assuma a gestão dos recursos — racionar, recrutar, tributar, e policiar — como forma de manter os recursos comuns! Isto é, o socialismo é a solução ou todos nós sofreremos ou até mesmo morreremos!
Não tão rápido. A tragédia resulta de dois fatores que trabalham conjuntamente: o recurso comum e o autointeresse privado. E se a área comum é o problema e não o autointeresse?
Suponha que a pastagem comum tenha 10000 hectares e que existem 20 pastores fazendo uso. Nós poderíamos dividir essa pastagem em 20 lotes com 500 hectares cada, cada qual a ser administrado por um pastor. Isto é, poderíamos privatizar o recurso ao torná-lo uma forma de propriedade privada.
Como isso mudaria a dinâmica? Suponha que você seja um dos pastores que recebeu um lote de 500 hectares.
- É do seu interesse continuar adicionando vacas a sua pastagem? Claramente, não: se você deseja que a pastagem seja útil para você no futuro, você assegurará que a quantidade de vacas seja proporcional à capacidade de produção forrageira da pastagem.
- Você abriria um poço de forma que suas vacas tivessem água nos meses quentes do verão? Seria caro, sim, mas suas vacas teriam uso total da água — e se for um poço realmente produtivo, você poderá vender a água que sobrar para seus vizinhos.
- Você falaria com seus vizinhos sobre a possibilidade de divisão do valor de instalação de uma cerca entre as suas propriedades, de forma que as vacas não ficassem vagando entre a sua propriedade e a dele? Sim.
- Ou você pensaria: algum dia eu quero me aposentar, e quando eu decidir fazê-lo, eu quero vender minha fazenda por muito dinheiro, de modo a viver de forma confortável até o fim dos meus dias. Para tal, eu deveria administrar minha fazenda da melhor forma possível, aumentando o seu valor econômico no longo prazo.
- Ou: Eu quero deixar minha fazenda para meus filhos quando eu morrer, e quero que eles tenham o máximo de sucesso na vida. Para tal, quero deixar uma fazenda produtiva e bem cuidada para eles.
O ponto é que, com a solução da propriedade privada, o autointeresse agora está alinhado ao uso saudável dos recursos. Existe um papel para o governo — não a gestão dos recursos, como proposto pela opção socialista que vai contra a ganância humana — mas sim o registro e concessão de títulos de propriedade, proteção efetiva de tais títulos, e resolução de conflitos caso venham a acontecer. Se minhas vacas acidentalmente cruzarem os limites de minha propriedade, você tem o direito de impedir que pastem e até mesmo me denunciar por qualquer dano que possa ter sido causado por essa “invasão”. Se você roubar água do meu poço, você pode ser processado. Existem incentivos suficientes para o respeito da propriedade alheia.
Nós acabamos de descrever a solução capitalista de livre mercado à tragédia dos comuns: autointeresse e a busca do lucro, aliadas aos direitos de propriedade e ao governo limitado, isto é, a proposta do capitalismo.
Mas e o que dizer dos pastores ruins? Meu sobrenome é Hicks, o que significa que venho de uma longa descendência de fazendeiros. E se eu for preguiçoso e incompetente, ou ter uma onda de má sorte e acabar falindo a fazenda? Ela se tornará mal cuidada, tomada pelas ervas daninhas e empobrecida ao ponto de eu não ser mais capaz de obter o mínimo necessário para o meu sustento.
A única opção que resta, portanto, é a venda da fazenda. Para quem eu venderei? Para um fazendeiro que puder compra-la — isso quer dizer, para um fazendeiro que tenha administrado a sua própria fazenda de forma eficiente, obtendo lucro suficiente para colocá-lo em uma posição capaz de investir em outros recursos.
E o que será de mim? Agora não tenho mais uma fazenda. O que acontece com fazendeiros incompetentes como eu é uma questão, mas nossa preocupação aqui é a boa manutenção de recursos e a solução da tragédia dos comuns. A grande virtude do sistema capitalista é que aqueles que utilizam os recursos de forma imprópria são incapazes de fazê-lo por muito tempo. Os recursos acabam nas mãos daqueles que têm um incentivo a geri-los de forma sábia.
Retornemos agora a minha não muito agradável residência estudantil. A cozinha e os banheiros eram o exemplo vivo de uma tragédia. E é por isso que eram um exemplo de propriedade comum.
Quando vemos recursos mal utilizados e poluição, nós quase sempre encontramos uma propriedade comum. Ou não existem direitos de propriedade ou existe uma tentativa fracassada de administração governamental de recursos sob a forma de propriedade comum.
Mas até onde podemos expandir a solução privatizante?
O direito de propriedade privado sobre a terra faz sentido, mas a terra não é o único recurso sensível do ponto de vista ambiental e não é sempre claro como os direitos de propriedade podem resolver todos os debates sobre o uso da terra. Como funcionariam para recursos como o ar e a água ou espécies animais migratórias? Como os aplicamos a recursos novos e intangíveis como os valores intelectuais? Tecnologia de ponta, por exemplo.
E a escolha que temos se reduz somente à privatização ou à administração governamental? A vencedora do prêmio Nobel Elinor Ostrom argumentou em defesa de uma via intermediária: não uma solução “tamanho único”, Ostrom argumentou, apresentando exemplos bem sucedidos de associações locais de várias partes do mundo que possuem práticas públicas e privadas aplicadas à gestão de todos os tipos de recursos. (Coincidentemente, Ostrom era professora da Universidade onde eu estudava na época, e talvez deveríamos tê-la consultado sobre nossa tragédia residencial comum).
Isso nos leva à situação atual. O debate sobre a tragédia dos comuns é parte do grande debate entre os pessimistas versus otimistas. E muito está em jogo, portanto, vamos evitar disputas no grito. Em primeiro lugar, é tempo de analisar os exemplos da história e considerar todos os lados do debate.
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“Os que só reclamam e os problemas ambientais” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite Publicações em Português para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.