Sobre a dívida grega e fazer o que é moral [Portuguese translation]

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Para a resolução de casos complexos como a dívida grega, a melhor forma dá-se inicialmente por meio da reflexão sobre casos mais simples.

Todos os lados da discussão estão apelando para considerações morais sobre responsabilidade, justiça e prudência. Parte do debate trata do significado de tais princípios. Uma parte intimamente ligada ao debate envolve distinguir os vários atores envolvidos, estabelecendo quem deve, o que é devido e a quem é devido.

Dois grupos de princípios morais concorrentes estão em conflito:

GRUPO 1

GRUPO 2

Sempre pague suas dívidas

Mostre misericórdia pelos que estão em dificuldades

Se você está em dificuldades, mude sua forma de agir

Você não pode tirar leite de pedra

Aqui segue um caso mais simples: considere o seu primo José e seu eterno problema financeiro. Ele trabalha esporadicamente. Ele vive por cima da carne seca e estourou o limite do cartão de crédito, assim como contraiu empréstimos de agiotas. Às vezes, ele tenta cortar seus gastos, contudo tende a mentir sobre sua real situação financeira. Ele também pegou emprestado muito dinheiro de você ao longo dos anos. Agora, em um encontro de família, José aparece, declara que está sem dinheiro e pede um novo empréstimo para colocar suas contas em dia.

Qual é a coisa certa a ser feita?

  • Você argumenta que José já tem muita dívida, devendo primeiro colocá-la em dia antes de pedir mais um empréstimo?

  • Você insiste que antes de considerar outro empréstimo, José precisa arranjar um emprego fixo e mostrar que ele pode controlar suas despesas?

  • Ou você sente uma obrigação de não ser repreensor e ajudá-lo a sair do buraco — ele é parte da família, não é?

  • Ou você considera José um caso perdido, diz para ele esquecer o que lhe deve e para se virar sozinho daquele momento em diante?

José é um caso particular; contudo, deveríamos ser capazes de decidir o melhor a fazer neste caso antes de considerar casos mais complexos.greekruinsnovember2010

Veja, por exemplo, o desastre da Enron. A Enron era uma grande corporação, envolvida em muitos negócios privados e governamentais. O emprego, os investimentos e a aposentadoria de muitas pessoas – para não dizer o fornecimento de energia para os lares — dependiam dela. A Enron também foi mal administrada por muitos anos, e com a piora crescente da situação, o conselho da empresa resolveu mascarar as suas finanças.

Quando a verdade veio à tona, o que deveria ter sido feito? Virtualmente todas as pessoas corretamente condenaram a Enron pela sua má conduta. Seus irresponsáveis gestores foram condenados por fraude, e suas dívidas foram liquidadas de forma relativamente civilizada.

Vamos ampliar a escala para a Grécia e seus milhões de habitantes. Virtualmente todas as pessoas concordam que o governo grego conduziu sua política econômica de forma deplorável por décadas, e que ocasionalmente mentiu sobre sua condição financeira. Contudo, nós estamos profundamente divididos sobre o que fazer. Qual é a diferença?

Dois fatores são diferentes. Um é o elemento da compulsão. José não pode forçar ninguém a conceder-lhe um empréstimo, assim como a Enron não poderia forçar ninguém a fazer negócios com ela. No entanto, o governo grego pode impor políticas que são respaldadas pela polícia e o exército, incluindo o confisco dos ativos presentes, vinculando-os a obrigações de dívidas futuras.

O outro é o elemento do coletivismo. Os governos têm o poder para definir políticas que se aplicam universalmente aos seus cidadãos. Mas uma versão particularmente robusta do coletivismo tem sido utilizada nos debates: tratar o governo grego como uma personificação de seus cidadãos, como se falasse por todos eles, e como tendo ao seu dispor todas os seus ativos, presentes e futuros.

As partes e relações envolvidas na crise grega necessitam urgentemente serem identificadas. A primeira divisão das partes envolvidas produzirá algo assim:

1. O governo grego.

2. As instituições econômicas não gregas que emprestaram dinheiro ao governo grego.
3. As instituições políticas não gregas que querem a Grécia continua a fazer parte da Zona do Euro.

4. Gregos que escolheram ser dependentes do governo grego para sua sobrevivência.

5. Gregos que estão vivendo independentemente e se sustentando pelo trabalho no setor privado.
6. Gregos que não são ainda adultos ou mesmo nascidos.

Então, se estamos perguntando Quem deveria mudar sua maneira de agir? ou Quem deveria absorver o custo da dívida? e assim por diante, então, as respostas deveriam variar dependendo de quem estamos falando. Nem todas as partes têm o mesmo nível de responsabilidade, e algumas até nem têm responsabilidade nenhuma.

Quem  deveria realmente pagar?gre_2220477b

Um grupo é formado pelos adultos gregos que dependem do assistencialismo governamental. Eles fizeram sua escolha, e sabiam ou deveriam conhecer os riscos envolvidos. Talvez seu governo mentiu para eles ou fez falsas promessas. Isso é triste, mas eles estão agora em uma posição análoga aos ex-funcionários e investidores da Enron que tiveram que optar por outras soluções.

Outro grupo é formado pelos banqueiros centrais e as instituições financeiras privadas que concederam empréstimos duvidosos. Eles dispunham de informação suficiente para avaliar a situação das finanças do governo grego, e é claro, eles estavam contando com a manipulação política ao invés de uma sólida política econômica para manter os pagamentos de juros em dia. Eles foram cúmplices da irresponsabilidade, de forma que eles também deveriam absorver os custos.

Outro grupo é formado pelos oficiais do governo grego, do passado e do presente, que tomaram empréstimos irresponsáveis — e aqueles que mentiram sobre a situação das finanças gregas. Qualquer oficial do governo, do passado ou do presente, que mentiu deveria ser responsabilizado por fraude — assim como sucedeu aos executivos de alto escalão da Enron. Os governantes atuais sempre tentam fugir da responsabilidade ao alegar que herdaram uma grande bagunça das administrações passadas. Talvez. Contudo, na política, limpar a bagunça feita pelos predecessores é parte do trabalho — e se você não sabe como fazê-lo, então não deveria ter se candidatado ao cargo.

Arrumar a casa não deveria incluir a utilização de todos ativos dos gregos como um “cofre porquinho” a ser roubado — e isso nos leva ao próximo grupo: aqueles milhões de gregos que estão se sustentando no setor privado e pagando seus impostos diligentemente. De modo geral, eles vivem de forma responsável, e um princípio chave da moralidade é que você não deve fazer os responsáveis pagarem pelos irresponsáveis.

Tampouco deveriam os pais prejudicarem os filhos. Totalmente inocentes são os jovens gregos e os milhões de gregos ainda por nascer, muitos dos quais serão vítimas de uma geração de adultos que deseja condená-los a uma vida de dívida e oportunidades perdidas.

Thomas Piketty e Vinay Kolhatkar são representantes de dois mundos políticos muito diferentes, mas eu concordo com ambos em um aspecto. Como disse Piketty:

“Os gregos têm, sem dúvida, cometido grandes erros. Até 2009, o governo em Atenas forjou seus livros. Mas apesar disso, a geração mais jovem de gregos não carrega mais responsabilidade pelos erros de seus adultos que as gerações mais jovens de alemães carregavam durante os anos 1950 e 1960.

(Eu espero que aqueles intelectuais de esquerda que amam Piketty recordem-se que esse princípio também se aplica à questão do racismo, sexismo e etnocentrismo.

A Grécia é uma pequena economia com um enorme significado simbólico. Ainda assim, não existe uma boa razão pela qual a Grécia não pode se tornar uma nação próspera. Ela está muito bem localizada, possui um bom capital humano e acesso ao conhecimento sobre o que permitiu a outras nações tornarem-se prósperas.

O valor mais importante a ser tirado da crise da dívida grega é uma lição em filosofia política e moral. No mundo inteiro, a dívida governamental já ultrapassada 60 trilhões de dólares, grande parte da qual consequência das mesmas ideias irresponsáveis que levaram ao desastre grego.

Muito da dívida terá que ser perdoada — mas é criticamente importante que somente os responsáveis pela dívida a paguem. Transferir qualquer parte da dor aos indivíduos que são inocentes e que vivem de forma responsável é uma atitude profundamente imoral.

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hicks-stephen-2013“Sobre a dívida grega e fazer o que é moral,” por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Russ Silva. Artigo Original no “The Good Life”. Visite Publicações em Português para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.

Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.

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