O que explica as diferenças dramáticas de desempenho econômico entre as duas Américas?
Considere os números do Produto Interno Bruto (PIB) disponibilizados pelo Banco Mundial — uma medida de sucesso econômico. Nós queremos que as pessoas tenham um nível de vida adequado, especialmente as pobres. E se formos ambiciosos, queremos que as pessoas tenham um padrão de vidabom — incluindo a compra de bens de maior valor agregado; alimentação, educação e saúde de qualidade; e viagens.
Os dados do PIB são surpreendentes.
Comece com um país pobre como a Bolívia, com PIB per capita de US$ 3.000. No Paraguai, as pessoas são 50% mais prósperas com US$ 4;500. Os equatorianos e os peruanos são 2x mais prósperos que os bolivianos, com um PIB per capita de US$ 6.000.
Subindo na escala econômica: colombianos, mexicanos, brasileiros e argentinos normalmente produzem US$ 8.000, US$ 10.000. US$ 11.000, US$ 12;000 por ano, respectivamente. Já a diferença entre Bolívia e Argentina é de 4x. Isto é impressionante.
Por fim, a nação mais exitosa da América Latina neste quesito: os chilenos produzem US$ 14.000 per capita. Também impressionante.
Mas agora compare o Chile com o Canadá, onde o PIB per capita é US$ 50.000. E números ainda maiores nos Estados Unidos — acima de US$ 54.000 por ano.
O que isso indica é que se compararmos as nações
da América do Norte com as nações da América Latina — mesmo as nações mais prósperas da América Latina — em média, as nações da América do Norte são praticamente 4x mais ricas do que a nação mais rica da América Latina.
Por quê?
Se a pessoa for um político ou intelectual latino-americano, nenhuma questão é mais importante que essa. Especialmente se ele estiver genuinamente preocupado, e não meramente professando estar com o bem-estar do seu povo.
Então, vamos propor algumas hipóteses para explicar essas disparidades.
Poderia ser uma diferença na disponibilidade de recursos naturais? Ambas são bem-dotadas de recursos naturais.
Poderia ser a questão da imigração? Ambos os continentes absorveram grandes números de imigrantes — pessoas com ambição, energia e talentos diversos para viajar para longe e construir novos países. Ou poderia ser a exploração das nações pobres por nações ricas, como os esquerdistas gostam de afirmar? Para que esse fosse o caso, nós teríamos que imaginar que os canadenses tornaram-se ricos ao roubar bolivianos e paraguaios. Se isto parece muito absurdo, então talvez devessem considerar a hipótese inversa, como o professor Garett Jones argumenta, que os países ricos não tem explorado os países pobres o suficiente.
Qual é o legado do colonialismo? Para o bem ou para o mal — e, às vezes, para o bem — as culturas espanhola e portuguesa foram as influências colonizadoras dominantes na América Latina. Contudo, essas culturas colonizadoras não eram especialmente boas em questões de governança ou geração de riqueza. E para o bem ou para o mal — existem muitas fraquezas na cultura anglo-saxônica — a América do Norte teve sorte o bastante de ter sido colonizada, em sua maioria por ingleses.
Em seu clássico Empires of the Atlantic World: Britain and Spain in America 1492-1830 (Yale University Press, 2006), o professor J. H. Elliott estabelece o contraste desta forma: o império espanhol na América foi um “império de conquista”, enquanto o império britânico foi um “império de comércio”. Então, segue a pergunta: quais ideias e instituições os ingleses proveram aos norte-americanos, permitindo-lhes construir economias de sucesso?
No entanto, não é somente uma questão do colonialismo de centenas de anos atrás. Há menos de um século, para tomar dois exemplos proeminentes, Buenos Aires e Chicago eram praticamente iguais em tamanho e riqueza. Ambas eram similarmente povoadas por imigrantes de todos os lugares, e ambas eram grandes centros de transporte e de agricultura. Contudo, como analisa esse artigo de Filipe Campante e Edward L. Glaeser publicado no NBER, as duas cidades trilharam caminhos radicalmente diferentes — Chicago para a prosperidade, e Buenos Aires para o declínio.
Outrossim, dados recentes indicam que os políticos e intelectuais de algumas nações podem transcender as histórias de suas culturas, tentando um novo caminho. No Wall Street Journal, David Luhnow argumenta que tomar a América Latina como um bloco não diferenciado é hoje demasiadamente incipiente. Existem duas Américas Latinas — uma orientada para o Atlântico e o estatismo do estado inchado, e outra orientada para o Pacífico e o livre mercado. As taxas de crescimento do Brasil, Argentina, Venezuela são infelizmente a metade daquelas do Chile, México, Colômbia e Peru. O que levou a tais diferenças?
Eu estou apelando aos políticos e intelectuais latino-americanos com essas questões, pois, em minha experiência, muitos têm a mente aberta e estão ativamente explorando os dados e a história. Mas eles são uma minoria; e a maioria parece presa à ideologias contraproducentes.
E essa batalha ideológica é a mais importante. Independentemente de você ser capaz de reconhecer e explorar elementos naturais como recursos produtivos — de você considerar a imigração e a emigração como boas ou ruins — de você favorecer um tipo de sistema de governança ou econômico em detrimento de outros — tudo depende, ao fim e ao cabo, das suas suposições filosóficas.
Outro fator relevante na explicação das diferenças econômicas entre a América Latina e a América do Norte é que o mundo intelectual — particularmente o mundo filosófico — está dividido. Na atualidade, ele está dividido entre a filosofia continental e a filosofia anglo-saxônica.
A tradição filosófica continental apoia-se principalmente nas tradições intelectuais alemã e francesa. Para aquela tradição [continental], os principais intelectuais são Kant, Hegel, Marx e Nietzsche — e em gerações mais recentes, Heidegger, Foucault, Derrida, e outros. Esta tem um grande impacto na vida intelectual latino-americana, mas um pequeno impacto na vida intelectual da América do Norte.
Na América do Norte, uma tradição intelectual diferente é muito mais forte. Essa tradição apoia-se principalmente nas obras de Francis Bacon, Isaac Newton, John Locke, Adam Smith, David Hume, John Stuart Mill, e outros. É uma tradição intelectual anglo-saxônica. Mas na América Latina, os ingleses são muito menos conhecidos.
É a diferença entre filosofias que focam em indivíduos racionais que produzem e comercializam entre si tendo em vista o benefício mútuo — e outras que apelam para conflitos de poder entre coletivos semi-irracionais que se exploram. O choque entre tradições filosóficas vai além, explicando as terríveis guerras do século XX e as diferenças de desempenho econômico.
Então, para aqueles intelectuais e políticos, especialmente na América Latina, cuja educação os tem exposto somente aos continentais do século XIX e aos pós-modernos do século XX: você está igualmente prestando atenção à potente tradição intelectual que tem tido grande sucesso na América do Norte? Se a sua ideologia ensina-lhe ver somente coletivos explorados em todos os lugares, você verá a riqueza como um sinal de desumanidade e pobreza, como um sinal de vitimização. Você então decidirá tornar-se um explorador você mesmo ou atacar a riqueza em nome dos pobres. Nenhuma destas estratégias leva à prosperidade econômica.
Mas se estivermos realmente preocupados com a pobreza e, de forma mais ampla — como todas as pessoas decentes — com todas as pessoas sendo capazes de buscar a boa vida — então nós necessitamos ter uma mente aberta a outras tradições intelectuais que podem ter respostas melhoras do que, infelizmente, aquelas que são ensinadas predominantemente na América Latina.
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“Por que a América do Norte é mais rica que a América Latina?” Por Stephen Hicks. Tradução de Matheus Pacini. Revisão de Ivanildo Santos III. Artigo Original no “The Good Life”. Visite Publicações em Português para ler os últimos artigos de Stephen Hicks.
Stephen Hicks é o autor do livro Explicando o Pós Modernismo e Nietzsche and the Nazis.